
Nasceu em 24 de Junho de 1880, na então
Província (hoje Estado) do Rio Grande do Sul, no município de Encruzilhada
(hoje Encruzilhada do Sul), na fazenda Coxilha Bonita que ficava no vilarejo
Dom Feliciano - o quinto distrito do Município Encruzilhada, que havia sido
distrito de Rio Pardo até 1849. Filho dos ex-escravos João Felisberto e Inácia
Cândido Felisberto, apresentou-se, ainda com treze anos, em 1894, na Companhia
de Artífices Militares e Menores Aprendizes no Arsenal de Guerra de Porto
Alegre com uma recomendação de atenção especial, escrita por um velho amigo e
protetor de Rio Pardo, o então capitão-de-fragata Alexandrino de Alencar, que
assim o encaminhava àquela escola. Em 1895 conseguiu transferência para a
Escola de Aprendizes de Porto Alegre, e em dezembro do mesmo ano, para a
Marinha do Brasil, na capital, a cidade do Rio de Janeiro.
Desse modo, numa época em que a maioria
dos aprendizes era recrutada pela polícia, João Cândido alistou-se com o número
40 na Marinha do Brasil em Janeiro de 1895, aos 14 anos de idade, ingressando
como grumete a 10 de dezembro de 1895.
Em depoimento para a Anamnese do
Hospital dos Alienados em abril de 1911 e para a Gazeta de Notícias de
31/12/1912, João Cândido afirma ter sido soldado do General Pinheiro Machado,
na Revolução Federalista, em 1893, portanto antes de entrar para a escola de
aprendizes do Arsenal de Guerra de Porto Alegre.
Teve uma carreira extensa de viagens
pelo Brasil e por vários países do mundo nos 15 anos que esteve na ativa da
Marinha de Guerra (17 anos, se contar os 2 anos de prisão, após a Revolta).
Muitas delas foram viagens de instrução, no começo recebendo instrução, e
depois dando instrução de procedimentos de um navio de guerra para marinheiros
mais novos e oficiais recém-chegados à Marinha.
A partir de 1908, para acompanhar o
final da construção de navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro,
centenas de marinheiros foram enviados à Grã-Bretanha. Em 1909 João Cândido também
para lá foi enviado, onde tomou conhecimento do movimento realizado pelos
marinheiros russos em 1905, reivindicando melhores condições de trabalho e
alimentação (a revolta do Encouraçado Potemkin, que virou filme do diretor
Sergei Einsenstein em 1925).
Tornou-se muito admirado pelos
companheiros marinheiros, que o indicaram por duas vezes para representar o
"Deus Netuno" na travessia sobre a linha do equador, e muito elogiado
pelos oficiais, por seu bom comportamento, e pelas suas habilidades principalmente
como timoneiro. Era o marinheiro mais experiente e de maior trânsito entre
marinheiros e oficiais, a pessoa indicada para liderar a revolta, na opinião
dos demais líderes do movimento.
O movimento dos marinheiros da Marinha de Guerra
Marinheiros durante a Revolta da
Chibata, com João Cândido ao centro, em 1910.
O uso da chibata como castigo na
Marinha brasileira já havia sido abolido em um dos primeiros atos do regime
republicano, o decreto número 3, de 16 de Novembro de 1889, assinado pelo então
presidente marechal Deodoro da Fonseca. Todavia, o castigo cruel continuava de
fato a ser aplicado, a critério dos oficiais da Marinha de Guerra do Brasil.
Num contingente de 90% de negros e mulatos, centenas de marujos continuavam a
ter seus corpos retalhados pela chibata, como no tempo da escravidão. Entre os
marinheiros, insatisfeitos com os baixos soldos, com a má alimentação e,
principalmente, com os degradantes castigos corporais, crescia o clima de
tensão.
Já em 1893, na canhoneira Marajó, um
contingente de marinheiros havia se revoltado contra o excesso de castigos
físicos, exigindo a troca do comandante que abusava da chibata e outros
suplícios. Na época, ainda não queriam o fim da Chibata, mas a troca do
comandante do navio, para evitar abusos. Definitivamente, não era normal
receber chibatadas. E, para piorar, os oficiais extrapolavam o limite de
próprio regimento da Marinha, baseado num decreto que nunca foi publicado no
Diário Oficial, que estabelecia a criação de Companhias Correcionais que
poderiam indicar a punição de até 25 chibatadas, mesmo após a Abolição da
Escravatura.
Ainda na Grã-Bretanha, e depois, ao
retornarem ao Brasil, os marinheiros que lá estiveram para acompanhar a
construção dos encouraçados Minas Gerais e São Paulo, e do cruzador Bahia,
iniciaram um movimento conspiratório com vistas a tomar uma atitude mais
efetiva no sentido de acabar com a Chibata na Marinha de Guerra do Brasil.
As eleições presidenciais de 1910,
embora vencidas pelo candidato situacionista marechal Hermes da Fonseca,
expressaram o descontentamento da sociedade com o regime vigente, além das
denúncias de fraude e violação de urnas nos bairros em que ele não tinha
maioria de simpatizantes. O candidato oposicionista, Rui Barbosa, realizou
intensa campanha eleitoral, reforçando a esperança de transformações do povo
brasileiro.
Esgotadas as tentativas pacíficas e
propositivas dos marinheiros, incluindo uma audiência de João Cândido no
Gabinete do presidente anterior, Nilo Peçanha, e na presença do ministro da
marinha, Alexandrino de Alencar sem qualquer providência efetiva para o fim dos
castigos físicos, os marinheiros decidiram que iriam fazer uma sublevação, uma
revolta pelo fim do uso da chibata em 25 de Novembro de 1910. Inicialmente os
comitês revolucionários pensaram no dia 14, depois dia 15, depois 19, e por fim
fixaram o dia 25.

Este fato antecipou a data programada de 25 para 22
de Novembro de 1910. Seria na noite deste dia porque o comandante do navio
Minas Gerais, o Capitão João Batista das Neves, dormiria fora do navio, e então
os marujos tomariam posse das armas, dominariam os oficiais em seus camarotes,
e teriam o controle do navio mãe, e depois de todos os demais que estavam na
Bahia da Guanabara. Entretanto o comandante Batista das Neves voltou mais cedo
do que eles esperavam, e um marinheiro mais descontrolado partiu para cima do
oficial de serviço, pois não queria mais o adiamento da revolta. O comandante
ouve os barulhos, assim como os outros oficiais e todos vêm para o convés.
Mesmo aconselhado pelo marinheiro Bulhões a se abrigar, Batista das Neves, se
recusa a sair dali, e diz que não sairá de bordo do navio, insistindo em tentar
fazer os marinheiros formarem e obedecerem às suas ordens. Os marinheiros já
muito exaltados, ao ver que o comandante fere um dos marinheiros, começam a
jogar objetos nele, e por fim um marinheiro dá um tiro na cabeça dele. Morrem
no Minas Gerais além do comandante, mais dois oficiais (tenente para cima) e 3
marinheiros (sargento para baixo, na simplificação usual).
Durante os combates
morrem mais um oficial e um marinheiro no navio Bahia, revoltado sob
responsabilidade do marinheiro Francisco Martins, e um oficial no navio São
Paulo, sob responsabilidade do marinheiro Manoel Nascimento. Terminados os
combates, João Cândido, um dos chefes das reuniões conspiratórias, que atuou ao
lado de Vitalino Ferreira na revolta do Minas Gerais, é indicado pelos demais
líderes como o comandante-em-chefe de toda a esquadra revoltada, inicialmente
composta por 6 navios, e depois concentrando as guarnições em 4, entre eles os
dois encouraçados fabricados na Inglaterra, considerados os mais potentes do
mundo à época: Minas Gerais e São Paulo.
Revolta da Chibata

A rebelião terminou com o compromisso do governo
federal em acabar com o emprego da chibata na Marinha e de conceder anistia aos
revoltosos. Entretanto, no dia seguinte ao desarmamento dos navios rebelados,
dia 27, o governo promulgou em 28 de novembro um decreto permitindo a expulsão
de marinheiros que representassem risco, o que era um nítida quebra de palavra,
uma traição do texto da lei de anistia aprovada no dia 25 pelo Senado da
República e sancionada pelo presidente Hermes da Fonseca, conforme publicação
no diário oficial de 26 de Novembro, levado ao Minas Gerais pelo capitão
Pereira Leite.
Expulsão da Marinha
Pouco tempo depois do decreto que
quebrou a anistia e de boatos de que o Exército iria se vingar dos marinheiros,
houve a eclosão de um novo motim entre os fuzileiros navais, ligados à Marinha,
no quartel da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, em 9 de Dezembro de 1910. Não
tinha ligação com a Revolta da Chibata, nada exigia, não tinha qualquer
organização.
Durante o dia 10 o motim foi reprimido pelas autoridades, Marinha
e Governo, com um bombardeio implacável sobre pouco mais de duas centenas de
amotinados ilhados (na Revolta da Chibata eram 2.379 homens, 3 encouraçados e
um cruzador, alvos móveis e fortemente armados), e serviu de justificativa para
Hermes da Fonseca demandar e obter do Senado aprovação do estado de sítio (lei
marcial) neste mesmo dia. João Cândido chegou a ordenar tiro de canhão sobre os
marinheiros-fuzileiros amotinados na Ilha das Cobras para provar sua lealdade
ao governo.
Mas de nada adiantou. Com o estado de sítio, centenas de
marinheiros foram dados como mortos ou desaparecidos e 2000 marinheiros foram
expulsos da Marinha. Nove foram fuzilados a bordo do Navio Satélite, que levava
105 marinheiros rebeldes para serem jogados nos seringais do Acre, destino dos
96 que lá ainda chegaram vivos.
Apesar de não haver participado da
conspiração (se é que houve) deste segundo levante, João Cândido foi expulso da
Marinha, sob a falsa acusação de ter favorecido os fuzileiros rebeldes. Foi
preso em 13 de Dezembro no quartel do exército, e transferido no dia de natal
(24 de dezembro de 1910) para uma masmorra na Ilha das Cobras, onde 16 de seus
17 companheiros de cela morreram asfixiados.
Em abril de 1911 foi transferido
para o Hospital dos Alienados, como louco, mas recebeu alta e voltou para a
Ilha das Cobras, de onde foi solto em 1912, absolvido das acusações juntamente
com nove companheiros. À época, o seu defensor foi o rábula Evaristo de Moraes,
contratado pela Ordem de Nossa Senhora do Rosário e dos Homens Pretos, que
declinou o recebimento dos honorários que lhe eram devidos.
Banido da Marinha, João Cândido sofreu
grandes privações, vivendo precariamente, trabalhando como estivador e
descarregando peixes na Praça XV, no centro do Rio de Janeiro.
De acordo com a sua ficha, nos quinze
anos em que permaneceu na Marinha, foi castigado em nove ocasiões, preso entre
dois a quatro dias em celas solitárias "a pão e água", além de ter
sido duas vezes rebaixado de cabo a marinheiro. A sua ficha registra ainda dez
elogios por bom comportamento nos últimos três meses antes da revolta.
A sua vida pessoal foi profundamente
abalada pelo suicídio de sua segunda esposa (1928). Em 1930 foi novamente
detido, acusado de subversão.
Em 1933 foi convidado e aderiu à Ação
Integralista Brasileira, movimento nacionalista de direita inspirado no
fascismo italiano fundado em 1932 pelo escritor Plínio Salgado, chegando a ser
o líder do núcleo Integralista da Gamboa, bairro portuário da cidade do Rio de
Janeiro. Em entrevista ao historiador Hélio Silva, gravada em 1968 e arquivada
no Museu da Imagem e do Som (MIS), João Cândido declarou manter sua amizade com
Plínio Salgado e de ter orgulho em ter sido integralista. O Integralismo
permitia que mulheres e negros se filiassem ao partido, no que se diferenciava
do nazismo. João Cândido, que era sobretudo um ex-militar que sonhava voltar à
Marinha de Guerra, foi muito assediado por parte de oficiais da Marinha para
que fizesse parte do movimento integralista, com a promessa de reintegrá-lo.
Muitas personalidades na época aderiram ao Integralismo: o líder negro Abdias
Nascimento e o bispo Dom Hélder Câmara são alguns exemplos.
Falecimento
Discriminado e perseguido pela Marinha
até ao fim de sua vida, se recolheu no município de São João de Meriti, onde
veio a se aproximar da Igreja Evangélica Metodista. Ali em sua casa passou mal
e foi levado ao Hospital Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, onde viria a
falecer de câncer, pobre e esquecido, em 6 de dezembro de 1969, aos 89 anos de
idade.
Legado, homenagens e resgates
Em 1959 voltou ao Sul do País para ser
homenageado, mas a cerimônia foi suspensa por interferência da Marinha de do
Brasil.
A sua memória foi resgatada
jornalisticamente a partir de 1959, com o lançamento do célebre livro "A
Revolta da Chibata" de Edmar Morel; musicalmente na década de 1970 pelos
compositores João Bosco e Aldir Blanc, no samba "O mestre-sala dos
mares"; historiograficamente a partir de 1985, com o Livro "A Revolta
dos Marinheiros - 1910", do vice-almirante e historiador naval Hélio
Leôncio Martins; cinematograficamente a partir de 2003, ano em que o
curta-metragem de resgate de época, "Memórias da Chibata", foi
contemplado em edital do Ministério da Cultura com verba para produção.
Em outubro de 2005, o deputado Elimar
Máximo Damasceno (PRONA/SP) apresentou o projeto de lei n. 5874/05,
determinando inscrever o nome de João Cândido no "Livro dos Heróis da
Pátria", que se encontra no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo
Neves, na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF).
Em Setembro de 2006, faleceu, aos 82
anos de idade, Zeelândia Cândido de Andrade, filha mais nova de João Cândido,
que dedicou a vida a obter a reintegração do nome de seu pai à Marinha,
corporação de onde saiu sem quaisquer direitos.
Em 22 de Novembro de 2007 (aniversário
de 97 anos da Revolta), foi inaugurada uma estátua em homenagem ao
"Almirante Negro", nos jardins do Museu da República, antigo Palácio
do Catete, bombardeado durante a revolta.

Em 24 de julho de 2008, 39 anos depois
da morte de João Cândido Felisberto, publicou-se, no Diário Oficial da União, a
Lei Nº 11.756 que concedeu anistia ao líder da Revolta da Chibata e a seus
companheiros, ideia que partiu do Senado Federal e foi aprovada pela Câmara dos
Deputados, em 13 de maio de 2008, dia em que se comemora a Abolição da
Escravatura no Brasil.
No entanto, a lei foi vetada na parte
em que determinava a reintegração de João Cândido à Marinha do Brasil. O motivo
do veto é que essa reabilitação "post mortem" importaria em impacto
orçamentário para o qual a lei não apontou a referida fonte de custeio. Assim,
uma vez que tal reconhecimento imporia à União o pagamento dos soldos atrasados
e das promoções que lhe seriam devidas, bem como na concessão de aposentadoria
e pensão aos seus dependentes, nesse particular a lei foi vetada por ser
contrária ao interesse público, no julgamento da equipe do governo federal.
Na
realidade, somente 2 (duas) famílias se apresentaram como descendentes de
marinheiros que participaram da Revolta da Chibata: a do próprio líder João
Cândido Felisberto e a do marinheiro Adalberto Ribas, que fugiu de um dos
barcos logo após a revolta, mantendo-se anônimo durante toda a sua vida, e
cujos filhos procuraram a Marinha depois de saberem do projeto de lei.
Entidades alegam que indenizar duas famílias não quebrará os cofres do governo
brasileiro.

A inscrição na placa de homenagem ao pé
da estátua comete erros: não é verdade que João Cândido "nasceu na Vila
São José, Encruzilhada do Sul, distrito de Rio Pardo". Ele nasceu na
fazenda Coxilha Bonita, no vilarejo Dom Feliciano, que ficava no Município de
Encruzilhada, que não era mais distrito de Rio Pardo desde 1849, décadas antes
do nascimento dele. Em 1963, é a vez do já distrito (e não mais um vilarejo)
Dom Feliciano se emancipar do Município de Encruzilhada (já com o novo nome de
Encruzilhada do Sul). Portanto, João Cândido nasceu encruzilhadense e morreu
dom felicianense.
No dia 7 de Maio de 2010, a Transpetro,
a pedido do presidente da República, batizou com o nome de "João
Cândido" o primeiro navio do Promef (Programa de Modernização e Expansão
da Frota), primeiro petroleiro produzido em estaleiro nacional após um
intervalo de mais de 13 anos. A cerimônia ocorreu no Estaleiro Atlântico Sul
(EAS), em Ipojuca-PE. O navio será comandado pelo Capitão de Longo Curso Carlos
Augusto Müller, da Marinha Mercante, e será utilizado na exportação. A entidade
UMNA - Unidade de Mobilização Nacional pela Anistia, reivindicou junto à
Transpetro (Petrobras Transportes S.A.) que o nome do navio receba o justo
complemento e, antes do lançamento ao mar, se torne: "Marinheiro João
Cândido", a exemplo de outros navios como o "Marinheiro Marcílio
Dias", ou receba o nome "João Cândido Felisberto", uma vez que
com primeiros nomes "João Cândido" existem muitos e mais famosos do
que o líder da revolta (João Candido Portinari, João Cândido Ferreira, João
Cândido da Silva, e até mesmo o Almirante branco João Cândido Brasil e
engenheiro naval, que é nome de rua no Rio de Janeiro e em São Paulo, e faleceu
em 1906, 4 anos antes da Revolta da Chibata).
O Petroleiro "João Cândido"
tem 274 metros de comprimento e capacidade para transportar 1 milhão de barris
de petróleo. O navio foi construído pelo Estaleiro Atlântico Sul, ao custo de
R$ 300 milhões.
Em Dezembro de 2010, a EBC - Empresa
Brasil de Comunicação conclui a produção "CEM ANOS SEM CHIBATA",
dirigida por Marcos Manhães Marins, um documentário especial de 52 minutos, na
programação da TV BRASIL a partir de Janeiro de 2011.
Em 2012, o projeto do longa-metragem
"CHIBATA" começa sua pré-produção, tendo obtido patrocínio da
PETROBRAS Transporte S.A. (Transpetro) e distribuição PANDORA filmes. A
reconstituição de época tem como ator confirmado para o personagem "João
Cândido", Antonio Pitanga em sua fase mais madura.
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