Acórdão derruba garantia de posse das terras na aldeia Passo
Piraju
Por
Ruy Sposati
A população indígena Kaiowá do tekoha - 'terra
sagrada', a aldeia - Passo Piraju volta a temer por seu futuro. Na última
sexta-feira (5), o Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3) publicou um acórdão
derrubando a decisão que garantia a posse do território para os indígenas. São
20 hectares ocupados pela comunidade de uma área reivindicada pelos índios e
ocupada por fazendas de soja e cana.
Retomada
A
terra, localizada às margens do rio Dourados, entre os municípios de Dourados e
Laguna Carapã, na região conhecida por Porto Kambira, foi retomada pelos kaiowá
em 2004.
“Quando amanhecemos
hoje de manhã (sexta,5), levantamos e já escutamos a história. Leram a notícia:
tem um despejo na aldeia Passo Piraju. Leu, leu, repetiu 50 vezes, tomando
mate”, conta Carlito de Oliveira, principal liderança da aldeia. “Nós queremos
explicação. Nós não mexemos em nada. Tão plantando todo esse canavial dentro da
nossa aldeia e nós não quebramos nem uma cana, nem um broto. Respeitamos a
decisão. E por que que agora começaram a mexer de novo com esse despejo?”,
questiona.
Decisão
Atualmente, laudos antropológicos
em fase de publicação comprovam a ocupação histórica dos kaiowá naquele
território. Os indígenas estão produzindo na terra, sem ultrapassar os limites
do TAC. Estão em área de preservação e protegem a mata de invasores e
exploração ilegal. Já têm a posse do território consolidada e muitas
benfeitorias, como poço, posto de saúde, escola de alvenaria e plantações de
mandioca, batata, milho, arroz, feijão, cana e frutas, além de bovinos,
equinos, suínos e ovinos. Uma rede de distribuição de água e uma caixa d'água
estão em fase de construção.
No entanto, o TRF-3
decidiu contrariamente à apelação do MPF, que garantia a posse do território
aos indígenas, julgando a favor dos fazendeiros. Segundo a publicação, a posse
da terra em nome do invasor estaria “suficientemente provada através de cópias
da escritura pública do imóvel, do memorial descritivo, bem como da Declaração
Anual do Produtor Rural do ano de 2002”. Também afirma que “o esbulho
[pelos indígenas] foi comprovado através de cópia do Boletim de Ocorrência e
notícias publicadas na imprensa local (...)”. O desembargador conclui que “deve
ser mantida a sentença que determinou a reintegração de posse aos autores
[fazendeiros]”.
História Real
Carlito
volta à primeira metade do século 20 para introduzir o histórico de pressões e
espoliações que sua família sofreu por conta das invasões de fazendeiros e das
políticas de captura e confinamento do antigo órgão indigenista oficial do
Brasil, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI). Alinhado ao espírito
integracionista do Estado brasileiro, o SPI expulsava e encurralava os
indígenas em pequenas terras, estabelecendo uma relação de dependência com as
comunidades indígenas, que se transformaria em fonte de mão de obra
desqualificada e barata para servir aos fazendeiros. A família de Carlito,
nesse contexto, foi se dispersando.
Expulsões
“Quando
começou, começou como agora, essa notícia que apareceu hoje cedo chegou igual
naquele ano. Eu saí daqui guri de 12, 13 anos. Eu saí daqui empurrado junto com
meus pais, que já morreram. Naquele tempo chamava captura. É a mesma coisa”,
compara. “Era uma montoeira de cavaleiro falando para o finado meu pai, finado
meu tio, dizendo que era para deixar a fazenda."
Carlito teme reviver mais uma vez as violências
pelas quais seu povo vem passando: “Naquela vez eu escutei a mãe falando para o
pai: ‘vamos levar nossas criança, porque os homens já avisaram vocês, eles vão
vir fazer as coisas erradas com nós’. E era verdade. Quando nós passamos para
lá do rio, escutamos aqui tiroteio. À noite. No escurecê, uma base das 9 para
as 10 horas da noite. Foi tiro. Ficou assim umas horas. E queimando as ogapysy
(casa kaiowá onde morava a família extensa). Só fogo naquelas ogapysy“.
Carne na Terra
Engessamento
Os estudos sobre Passo
Piraju fazem parte de um dos seis grupos de trabalho (GT) criados pela Funai em
2008 com o objetivo de identificar as terras Kaiowá Guarani no cone sul,
conforme estabelecido pelo TAC.
O prazo original do
acordo exigia que a Funai iniciasse o procedimento de regularização das terras
indígenas junto ao Ministério da Justiça até abril de 2010. Como os prazos não
foram cumpridos, o MPF executou judicialmente o termo - que previa multa diária
acumulativa de um mil reais no caso de descumprimento - e estabeleceu um novo
cronograma de trabalho para o órgão indigenista.

No
caso de Passo Piraju, terra incluída no GT Dourados-Amambaipeguá, o Relatório
Circunstanciado de Identificação (RCID) foi entregue pelo antropólogo à Funai
em outubro de 2011. No entanto, segundo o último cronograma apresentado pela
Funai na Aty Guasu de Rancho Jacaré, em julho, ainda não há previsão para a
aprovação e a publicação dos relatórios.
Fonte: Caros Amigos
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