terça-feira, 30 de outubro de 2012

Tribunal derruba ordem para retirada dos índios guarani-kaiowá


O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) cassou nesta terça-feira (30) liminar (decisão provisória) de um juiz federal de Naviraí (MS) que determinava a desocupação pelos índios guarani-kaiowá de área na Fazenda Cambará, em Iguatemi, a 466 km de Campo Grande.


Integrantes do grupo de guaranis-kaiowá que ocupam área de fazenda na região de Iguatemi (MS) (Foto: Ascom/MPF-MS)A informação foi anunciada pelo ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, em reunião com membros da etnia na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência. Cardozo informou ainda que determinou o envio de reforço da Polícia Federal e da Força Nacional para evitar que a tensão entre indígenas e produtores rurais provoque violência.

"Estamos enviando um reforço de pessoas e viaturas da Força Nacional. A Polícia Federal também vai reforçar policiamento na área. Não vamos informar o efetivo por questões de segurança, mas é o suficiente para garantir paz", afirmou Cardozo.

Pela nova decisão, os índios devem permanecer no local até que sejam terminados os procedimentos administrativos de demarcação das terras. Eles não poderão impedir a circulação de pessoas no local nem ampliar a terra hoje ocupada, de 10 mil metros quadrados. Também não poderão desmatar áreas verdes nem caçar os animais da fazenda.


A área ocupada pela a comunidade de Pyelito Kue, localizada no sul do Mato Grosso do Sul, é de reserva nativa, que não pode ser explorada economicamente. Os índios atravessaram o rio e foram para a propriedade rural em novembro do ano passado, três meses depois de terem o acampamento onde moravam ser destruído em um ataque no dia 23 de agosto de 2011 (entenda o caso).

No dia 17 de setembro deste ano, a Justiça Federal de Naviraí determinou a saída dos índios do local deferindo pedido de desapropriação feito pelo proprietário das terras, o produtor rural Osmar Bonamigo.

Por conta da decisão os índios chegaram a divulgar uma carta em que anunciavam morte coletiva caso tentassem retirá-los das terras. O líder dos guarani-kaiwoá Solano Lopes, que participou da reunião na Secretaria de Direitos Humanos, esclareceu que o texto não significa que haverá suicídio coletivo, mas que os indígenas lutarão "até o último guerreiro" pela permanência na propriedade.

"A comunidade tem uma decisão de não sair nem por bem nem por mal. Vamos lutar por essa terra até o último guerreiro. Não vamos matar uns aos outros, mas vamos morrer pela nossa terra", afirmou.

Solano Lopes argumentou ainda que a propriedade em Iguatemi é dos indígenas há dezenas de anos. "

Demarcação

Na última semana, o grupo de guarani-kaiowás divulgou carta encaminhada à presidente Dilma Rousseff para evitar a reintegração de posse (Foto: Ascom/MPF-MS)De acordo com o ministro Eduardo Cardozo, o estudo etnológico da Funai, para averiguar se a terra é indígena, já foi concluído. "Só falta o levantamento fundiário, que deve ser concluído em 30 dias", afirmou.
A decisão definitiva sobre a demarcação, contudo, não tem prazo para ocorrer, já que a demarcação pode ser contestada judicialmente pelo estado, município e pelos produtores rurais.

A ministra Maria do Rosário também criticou a demora do Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal, para decidir sobre recursos contra demarcações de terras indígenas no país. "A morosidade na votação de matérias que dizem respeito a terras indígenas no STF intensifica a tensão na região. Vamos procurar os ministros para tratar das ações que tramitam lá", disse.

'Satisfeito pela metade'

Após anúncio, o guarani Otoniel Nhandherou, liderança indígena, chorou e disse estar "satisfeito pela metade". "Não quero mais meu povo morrendo por causa dessa terra. Eu vou ficar feliz totalmente quando toda essa área for demarcada. Quando morrer vai ser de olho aberto para mostrar minha angústia", disse.
Já o cacique guarani Solano Lopes pediu cópia da decisão para comprovar que eles poderão, de fato, permanecer na na propriedade até a demarcação.

A ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse que o governo vai agilizar os procedimentos necessários à demarcação.

fonte: Nathalia Passarinho do G1

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Policial usa arma de choque contra manifestante no Rio de Janeiro




Um policial militar do 4º BPM (São Cristóvão), que controlava uma manifestação no Centro do Rio de Janeiro, na tarde desta quarta-feira (24), foi filmado dando um choque por trás de menina que segurava um cartaz. 

A passeata ocorreu na Avenida Presidente Vargas, por volta das 16h, e reuniu estudantes na pista lateral da via, em protesto contra o aumento da passagem de ônibus na cidade.

As imagens mostram que o policial aplicou a descarga elétrica debaixo do braço dela, sem que a estudante pudesse ver o que acontecia. Pelo vídeo, não é possível identificar nenhuma confusão ou resistência por parte dos estudantes.

A Polícia Militar informou que o comando do 4ºBPM (São Cristóvão) abriu uma averiguação para apurar responsabilidades e identificar o policial mostrado no vídeo. Ele pode ser punido após esta apuração. A punição vai desde a repreensão até a prisão.

A arma não-letal utilizada pelo policial não é usada oficialmente pela corporação. A polícia disse ainda que os PMs agiram no intuito de liberar o trânsito, já que a obstrução de vias públicas constitui crime.


terça-feira, 23 de outubro de 2012

SUPREMO X MENSALÃO

O Supremo Tribunal Federal está fazendo sua parte ao julgar e condenar os integrantes da grande quadrilha que se formou no Governo do PT.
Vejam cenas desse grande embate.




A quadrilha do mensalão tinha 13 membros, o mesmo número do PT

O ministro Marco Aurélio Mello destacou que o número de acusados de formação de quadrilha é o mesmo do PT



segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Tema para reflexão: O ideal seria a UPP ou a UPD

Malala Yousafzai

Malala Yousafzai 






Nasceu em Mingora, Swat, Jaiber Pastunjuá, Paquistão. Seu pai é Ziauddin Yousafzai e tem dois irmãos. Fala pachto e inglês e é conhecida por seu ativismo em favor dos direitos civis, especialmente os direitos das mulheres do vale do rio Swat, onde o Taliban proibiu a frequência escolar de meninas. 

Aos 13 anos, Yousafzai alcançou notoriedade ao escrever um blog para a BBC sob o nome de Gul Makai, explicando sua vida sob o regime do Tehrik-i-Taliban Pakistan (TTP) e as tentativas de recuperar o controle do vale após a ocupação militar que obrigou-os a ir para as áreas rurais. O Taliban forçou o fechamento de escolas particulares e proibiu a educação de meninas entre 2003 e 2009.

Em 9 de outubro de 2012 foi atacada por um miliciano do TTP em Mingora: foi baleada no crânio e foi operada. O porta-voz do TTP, Ehsanullah Ehsan disse que tentariam um novo ataque.


Duas estudantes ficaram feridas juntamente com Malala enquanto se dirigiam para casa em um ônibus escolar. Ela foi levada de helicóptero para um hospital militar. Ao redor da escola onde as meninas agredidas estudam, centenas de pessoas foram às ruas para protestar contra o fato. A mídia paquistanesa deu ampla cobertura.

Em 10 de outubro de 2012, o ministro do Interior do Paquistão, Rehman Malik, afirmou que o atirador havia sido identificado.

O ataque foi condenado internacional e Malala Yusufzai foi apoiada por Asif Ali Zardari, Pervez Raja Ashraf, Susan Rice, Desmond Tutu, Ban Ki-moon, Barack Obama, Hillary Clinton, Laura Welch Bush e Selena Gomezque por sua vez, colocou a foto de Malala nas redes sociais e deseja sua saúde.

Em 15 de outubro 2012 foi transferida para um hospital no Reino Unido, para continuar a recuperação.Malala é uma guerreira da educação

Fonte: internet



CGU vê sobrepreço da Delta em obras no São Francisco

Fábio Fabrini, de O Estado de S.Paulo


As obras de transposição do Rio São Francisco a cargo da Delta Construções tiveram o orçamento indevidamente inflado em R$ 76 milhões. A constatação é da Controladoria-Geral da União (CGU), que concluiu em julho auditoria sobre os serviços da empreiteira no lote 6 do empreendimento. Hoje abandonado, o trecho de 39 quilômetros, em Mauriti (CE), está em processo de deterioração, o que, segundo o relatório, aumenta o risco de danos ao erário.


Conforme a auditoria, as obras - contratadas em 2008 ao custo total de R$ 223,4 milhões - ficaram mais caras por causa do superfaturamento de serviços, pagamentos sem cobertura contratual e da superestimativa de planilhas que deveriam ser elaboradas pelo Ministério da Integração Nacional, mas, num trâmite considerado atípico, eram apresentadas pela própria empreiteira e, em alguns casos, aprovadas. Do prejuízo total apurado, R$ 13,6 milhões já foram pagos e outros R$ 63,1 milhões foram evitados pela fiscalização, segundo a controladoria.



A CGU determinou a abertura de sindicância para apurar a responsabilidade de servidores do ministério nas irregularidades, além da revisão de projetos e de um encontro de contas para a devolução de valores pagos a maior.



A Delta detêm 99,5% do consórcio responsável pelo lote 6, cujo contrato se encerrou em agosto deste ano, com R$ 130,5 milhões pagos e 40% dos serviços feitos. O ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), anunciou a rescisão do vínculo com a Delta. O andamento das obras dependerá de uma nova licitação.



As conclusões sobre a transposição do São Francisco são uma amostra do trabalho em curso na CGU, que fiscaliza mais 11 obras da Delta, no valor de R$ 2,28 bilhões, a maioria nos Ministérios das Cidades e dos Transportes. A construtora é investigada pela Polícia Federal e a Comissão Parlamentar de Inquérito do Cachoeira por favorecimento em contratos públicos e envolvimento com a organização de Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira.

De acordo com a CGU, deficiências nos projetos básico e executivo, além de falhas na fiscalização do Ministério da Integração, levaram à maioria dos prejuízos constatados na auditoria, realizada entre maio e julho deste ano. O planejamento traçado pelo ministério não correspondia à realidade das obras, o que levou a sucessivos aditivos contratuais para a alteração de preços e quantitativos. Paralelamente, as irregularidades praticadas pela empresa não eram acusadas pelos fiscais.

Esquema de Cachoeira movimentou R$ 84 bi em 10 anos, diz relator

A organização criminosa chefiada pelo empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, movimentou nos últimos dez anos mais de R$ 84 bilhões. Os dados constam do parecer que será apresentado pelo relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Cachoeira, deputado Odair Cunha (PT-MG).


De acordo com o petista, a movimentação corresponde a valores que foram recebidos e também usados para pagamentos por integrantes da organização entre os anos de 2002 e 2012. O valor pode ser ainda maior, tendo em vista que o montante corresponde à análise das quebras de sigilos bancários e fiscal feitas até o último dia 1º de outubro.


''Um lado positivo da prorrogação dos trabalhos é que poderemos aprofundar a análise dos dados que ainda estão chegando à comissão'', disse Cunha. Ele afirmou que chegou ao valor de R$ 84 bilhões em movimentações analisando 75 quebras de sigilos de pessoas físicas e jurídicas ligadas a Cachoeira.


Agência Brasil

Toffoli vota em menos de 1 minuto e absolve Dirceu

O ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli votou em menos de um minuto e absolveu o seu ex-chefe na Casa Civil, o ex-ministro José Dirceu, e mais 12 réus acusados de formação de quadrilha no processo do mensalão. Toffoli disse trazer um voto escrito, pediu a juntada ao processo e manifestou-se pela improcedência, em tempo recorde no processo.



Esta é a segunda vez que Toffoli vota por absolver Dirceu. Antes, ele já tinha livrado o ex-chefe da acusação de corrupção ativa, mas o ex-ministro acabou condenado por oito dos dez ministros do Supremo. Naquela ocasião, o ministro destacou que Dirceu estaria sendo acusado apenas por ocupar a chefia da Casa Civil na época dos fatos.



A participação do ministro Toffoli foi questionada antes do julgamento. Além do trabalho direto com Dirceu na Casa Civil, o ministro do Supremo Tribunal Federal foi advogado do PT quando o réu número um do mensalão presidia o partido. Gerou questionamento também o fato de sua namorada, Roberta Rangel, ter advogado para dois outros réus, os ex-deputados Professor Luizinho e Paulo Rocha, ambos petistas. Toffoli ignorou qualquer impedimento e participou normalmente do processo. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, não pediu sua suspeição e justificou que isso poderia atrasar o julgamento.

Por Eduardo Bresciani | Estadão

A 'nova classe média'

Presidente do Ipea analisa a 'nova classe média'

Por Caio Zinet


Durante a última década, o Brasil vivenciou um intenso fenômeno político e econômico, a ascensão de milhões de pessoas à chamada “nova Classe C”. Para analisar esse novo elemento social brasileiro, o presidente do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, escreveu o livro "Nova Classe Média?" pela editora Boitempo. 

Para o pesquisador há uma disputa sobre o que represente essa nova Classe, principalmente em torno da discussão se ela pertence a um setor da classe média, ou se é um setor da classe trabalhadora. Para ele, essa discussão tem intensas repercussões sobre a atuação e o papel do Estado .

“Se a identidade que nos estamos tendo é a de classe média a pressão para que o Estado subsidie o setor privado tenderá a ser maior. Se nós entendemos que se trata de novos segmentos no interior da classe trabalhadora a pressão é de outra natureza”, afirmou.

Ele traçou ainda um perfil dessas novas pessoas que ascenderam da base da pirâmide social, que pare ele escaparam da influência das instituições políticas democráticas. Para ele isso tem repercussões importantes na política brasileira.





Confira abaixo a entrevista na íntegra.

Quais são as principais características dessa nova classe C?

Marcio Pochmann - Ao meu ver todo esse processo não constituiu o surgimento de uma nova classe, pelo contrário são segmentos novos no interior da classe trabalhadora. Essa ascensão tem características muito individualistas, muito movidas pelo próprio consumo. É um segmento especialmente concentrado no setor de serviços, e que as instituições civil-democráticas, como por exemplo, associações de bairro, associações estudantis e de trabalhadores, os próprios partidos políticos, não conseguiram capturar.

Esse segmento ascende, emerge, mas é movido fundamentalmente pelo consumo. Isso é até natural, eu diria. Nós tivermos durante a década de 1970 outro momento de ascensão social importante, especialmente porque durante esse época vivenciamos o chamado “milagre econômico”, quando a economia cresceu em média 10% ao ano. Então houve um forte crescimento econômico que foi puxado pelos empregos na indústria. Nessa época a mobilidade social foi muito forte, porque eram as pessoas que vinham do campo, ainda nos anos 1960 e 1970 havia o campo que não conhecia luz elétrica, água encanada, etc.

Essas pessoas vieram para as grandes cidades basicamente por conta do emprego industrial, só que as cidades brasileiras não estavam preparadas para receber esse fluxo de imigrantes que vinham do campo e do interior do Brasil e com isso as pessoas acabaram indo morar nas favelas, onde não tinham acesso a água encanada, luz elétrica, etc. É dessa época parte significativa das favelas nas grandes cidades do Brasil. Isso gerou um estranhamento, e esse estranhamento na segunda metade dos anos 1970 foi de alguma maneira capturado por instituições que se formaram durante a transição política brasileira, da ditadura para o regime democrático. Instituições como as comunidades eclesiais de base, associações de bairro, o próprio renascimento do movimento estudantil, o renascimento do sindicalismo, a construção dos partidos políticos, e a transição para a democracia, e até mesmo a constituição de 1988 que de certa maneira é fruto do que aconteceu com esse novos segmentos emergentes que eram basicamente classe trabalhadora do ramo industrial. Eles foram protagonistas dessa transição.

O que nos estamos vendo agora é que o setor que é protagonista na geração de emprego nessa primeira do século XXI é o setor de serviços, e aí são postos de trabalho vinculados a atividades de terceirização, por exemplo, atividades temporárias. É um segmento que não tem suas aspirações capturadas pelas instituições democráticas, e isso aponta para um segmento onde justamente uma das características é a baixa escolarização.

É um segmento, que obviamente, depende do desenvolvimento econômico e da geração de empregos. Por outro lado se mostra conservador em outros valores como é o caso da pena de morte, religião, aborto, assim por diante. Então as características desse segmento são até naturais na medida em que não tenham um envolvimento com instituições democráticas. Esse é o desafio, eu diria assim, do movimento estudantil e sindical. Nós tivermos 1 milhão de estudantes de origem humilde que ascenderam ao nível superior por conta do ProUni (Programa Universidade para todos), por exemplo. Então esse segmento que ascendeu, de certa maneira, não foi fortalecer, não foi fazer parte do movimento estudantil, que é uma das instituições importantes da democracia. Em um país que não tem tradição democrática como é o nosso, que é um país que completou agora 50 anos de experiência democrática em 500 anos de história, isso é um fato bastante significativo a ser considerado.

A inserção dessas pessoas se deu pela via do consumo, mas pouco pela via do direito. Quais as consequências disso?

Marcio Pochmann - Se não tiver a cultura política o que ocorre é que cada um acha que a ascensão dependeu do seu próprio esforço físico, porque afinal de contas foi ele que conseguiu o emprego, esse emprego veio com melhor salário e permitiu a ele ascender socialmente, então dá a perspectiva individualista, porque na verdade está faltando a cultura política. A expansão do emprego foi fruto de uma decisão política de uma nova maioria que se constituiu no país a partir de 2003 que entendeu que o Brasil não poderia mais seguir em uma trajetória de voo de galinha, que cresce um pouco um ano, no outro não crescia, que foi a experiência dos anos 1990.

A falta de uma política leva a esse quadro de uma visão mais individualizada. Ao mesmo tempo esses novos segmentos que ascenderam que são trabalhadores que não poupam, e que têm toda sua renda adicional voltada para o consumo, está sendo visto por alguns como nova classe média. O que está por trás disso é uma disputa sobre como deve ser a atuação do Estado, porque se eu identifico que esses segmentos são de estratos de classe média, o que está por trás disso não é a defesa, por exemplo, de políticas públicas universais. A classe média está preocupada com a educação e a saúde privada, está interessada em uma previdência privada, então isso é uma lógica diferente daqueles que nós poderíamos entender como sendo a de uma classe trabalhadora que está preocupada com políticas universais, como saúde e educação pública de qualidade.

Então esse é o embate que tem repercussões grandes no papel do Estado. Porque se a ideia é de classe média possivelmente a ação do Estado tende a ser cada vez mais dissociada de políticas voltadas para a universalização.

Durante os anos 1990 tinha-se uma clareza que o Estado não era eficiente, de que eficiente era o setor privado. Agora que essa tese, digamos assim, caiu, porque o Estado se mostrou absolutamente necessário. Agora se inicia um debate sobre como o Estado deve atuar, especialmente em termos de políticas públicas. Como se coloca esse dinheiro na sociedade, se é subsidiando a iniciativa privada. A receita federal, por exemplo, subsidia o gasto da saúde privada, da educação privada, da previdência privada, da assistência privada dos segmentos de maior renda no país. Porque quando você declara o imposto de renda pode-se abater do valor devido esse tipo de gasto. Então o Estado brasileiro financia o gasto privado nas áreas de educação, saúde, etc., desses segmentos que declaram imposto de renda, que não são os pobres. 
Então se a identidade que nós estamos tendo é a de classe média, a pressão para que o Estado subsidie o setor privado tenderá a ser maior. Se nós entendemos que se trata de novos segmentos no interior da classe trabalhadora a pressão é de outra natureza.

Essa política de crédito é uma política que pode se manter no longo prazo?

Marcio Pochmann - A inteligência da política pública desde o início do governo Lula foi de viabilizar maior renda para esses segmentos da base da pirâmide social para ampliar o consumo, e ao ampliar o consumo nós fomos gradualmente ocupando a capacidade ociosa das empresas sem a necessidade de grandes investimentos. 

Agora estamos em condições mais difíceis para viabilizar essa perspectiva porque já há certa saturação da capacidade ociosa, e o grande desafio colocado é o do investimento, da ampliação da capacidade produtiva para atender as possibilidades de incorporação de novos segmentos, e ao mesmo tempo gerar empregos de classe média tradicional como bancários, professores. 

Mas isso só virá em grande quantidade com a ampliação nos investimentos, porque com mais investimentos se amplia a capacidade produtiva, o que significa a incorporação de novas tecnologias e a necessidade de incorporação de trabalhadores com maior escolaridade típica de classe média. O desafio, portanto, passa a ser o investimento e parece que o governo brasileiro está inclinado nesse sentido, especialmente quando nós olhamos as medidas mais recentes de reforço do setor produtivo com os subsídios fiscais, a queda na taxa de juros, as medidas de desvalorização da moeda. Esse conjunto de ações muito positivas está culminando para que o investimento produtivo ganhe maior dimensão.

As condições de emprego que foram geradas durante a última década são diferentes das que foram geradas durante a década anterior?

Marcio Pochmann - De fato o grosso das ocupações geradas foi de remuneração ao redor do salário mínimo, mas eu entendo que foi fundamental a geração desse universo de vagas, porque se nós tivéssemos gerados empregos tradicionais de classe média, esses segmentos que foram beneficiadas não teriam chance de disputar esses postos de trabalho, por terem um perfil em sua maioria de baixa escolaridade e de certa maneira ficariam marginalizados de empregos de maior requisito de contratação. Então é isso que explica o sucesso brasileiro de permitir que a inclusão social fosse o motor principal do próprio dinamismo econômico que inverteu a lógica anterior de crescer para depois distribuir. Para dar continuidade a essa política de mobilidade social é preciso de empregos de maior qualidade.

Quais são os principais desafios do governo com relação a esse novo fenômeno?

Marcio Pochmann - Inegavelmente você entra no tema de reformas, nós temos um padrão de arrecadação de recursos pelo Estado brasileiro que reforça a desigualdade, porque se arrecada fundamentalmente dos pobres e não dos que têm mais dinheiro. O Estado, nesse sentido, mostra que é muito forte para arrecadar dinheiro do pobre, mas é muito fraco para arrecadar dinheiro dos mais ricos. E esse tipo de receita, que é uma receita regressiva, não ajuda a diminuir a desigualdade, pelo contrário. 

Do ponto de vista do gasto do Estado nós percebemos que também não há um padrão homogêneo de intervenção do Estado. Por exemplo, na área de assistência social eu diria que é um padrão de característica social-democrata porque os segmentos mais pauperizados é que são beneficiados pelas políticas de assistência social. O mesmo não pode-se dizer em relação ao tema cultural, por exemplo. O Estado brasileiro, seja União, governos estaduais ou municipais não coloca os principais aparelhos de cultura na periferia, que é onde o povo pobre está. 

Os principais aparelhos culturais estão nas áreas mais ricas. Se olhamos do ponto de vista dos bancos, especialmente dos públicos, a presença dos bancos não estão nos pequenos municípios de maneira mais organizada. Nas favelas a mesma realidade. Então nós ainda temos um serviço bancário público em um formato para um segmento de renda um pouco maior. Portanto a reorientação do papel do Estado com esse olhar de enfrentamento da pobreza e da desigualdade é um grande desafio.

fonte: Caros Amigos

Juiz Odilon de Oliveira

Odilon de Oliveira, nasceu em 26/02/1949, na Serra do Araripe, município de Exu, Pernambuco. Filho de pais lavradores, trabalhou na roça até os 17 anos de idade. Foi alfabetizado na roça, à noite, em sua própria casa, após ter dia inteiro de trabalho. 


Entrou tarde na faculdade de Direito, vindo a se formar aos 29 anos de idade. Foi Procurador Autárquico Federal, Promotor de Justiça, Juiz de Direito. É Juiz Federal desde 1987. Sempre trabalhou em fronteiras como magistrado federal, na área criminal: Mato Grosso, Rondônia e Mato Grosso do Sul. Já condenou centenas de traficantes internacionais. 



Juiz Odilon de Oliveira, inimigo nº 1 dos narcotraficantes




Atualmente, é titular da única vara especializada no processamento dos crimes financeiros e de lavagem de dinheiro de Mato Grosso do Sul, com jurisdição sobre todo o Estado. Seu maior sonho é ver a juventude livre das drogas.


O juiz Odilon de Oliveira, de Mato Grosso do Sul, é o único que recebe proteção permanente da Polícia Federal dentre os 600 magistrados federais que atuam em varas criminais no país. Além da escolta policial, Oliveira utiliza um colete a prova de balas para trabalhar e anda em carros blindados que suportam até tiros de fuzis.

Oliveira afirmou que nunca sofreu atentados, mas já foi ameaçado e jurado de morte por diversas vezes.

Em 2005, o juiz foi designado para estruturar a vara criminal de Ponta Porã, localizado na fronteira do estado com o Paraguai, distante 346 quilômetros de Campo Grande. Ele permaneceu no município por um ano e três meses, onde chegou a morar no hotel de trânsito do exército. Na cidade, também ficou hospedado em um hotel comum, mas teve que sair porque o local sofreu uma invasão. Depois do episódio, ele passou a morar no Fórum do município.


“Já senti medo de morrer. Além de juiz, também sou chefe de família, pai e marido. O medo é um sentimento humano, não tem como não senti-lo”, afirmou Oliveira.

Atualmente Oliveira é titular da da única vara especializada em crimes financeiros e de lavagem de dinheiro de Mato Grosso do Sul, com jurisdição sobre todo o Estado.

Segundo informações da Justiça Federal, o patrimônio que era de traficantes e foi confiscado judicialmente ultrapassa a cifra de R$ 1 bilhão. São cerca de 80 fazendas, 600 veículos, 18 aviões, 100 apartamentos e casas e R$ 30 milhões em depósitos.



Em seu currículo a prisão de um dos maiores traficantes brasileiros: Fernandinho Beira-Mar.

Anísio Teixeira


Anísio Spínola Teixeira nasceu em 12 de julho de 1900 em Caetité (BA). Filho de fazendeiro, estudou em colégios de jesuítas na Bahia e cursou direito no Rio de Janeiro. Diplomou-se em 1922 e em 1924 já era inspetor-geral do Ensino na Bahia. Viajando pela Europa em 1925, observou os sistemas de ensino da Espanha, Bélgica, Itália e França e com o mesmo objetivo fez duas viagens aos Estados Unidos entre 1927 e 1929. 

De volta ao Brasil, foi nomeado diretor de Instrução Pública do Rio de Janeiro, onde criou entre 1931 e 1935 uma rede municipal de ensino que ia da escola primária à universidade. Perseguido pela ditadura Vargas, demitiu-se do cargo em 1936 e regressou à Bahia – onde assumiu a pasta da Educação em 1947. Sua atuação à frente do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos a partir de 1952, valorizando a pesquisa educacional no país, chegou a ser considerada tão significativa quanto a Semana da Arte Moderna ou a fundação da Universidade de São Paulo. 



Anísio Teixeira: educação não é privilégio 




Com a instauração do governo militar em 1964, deixou o instituto – que hoje leva seu nome – e foi lecionar em universidades americanas, de onde voltou em 1965 para continuar atuando como membro do Conselho Federal de Educação. Morreu no Rio de Janeiro em março de 1971. 


Considerado o principal idealizador das grandes mudanças que marcaram a educação brasileira no século 20, Anísio Teixeira foi pioneiro na implantação de escolas públicas de todos os níveis, que refletiam seu objetivo de oferecer educação gratuita para todos. Como teórico da educação, Anísio não se preocupava em defender apenas suas idéias. Muitas delas eram inspiradas na filosofia de John Dewey (1852-1952), de quem foi aluno ao fazer um curso de pós-graduação nos Estados Unidos. 



Dewey considerava a educação uma constante reconstrução da experiência. Foi esse pragmatismo, observa a professora Maria Cristina Leal, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que impulsionou Anísio a se projetar para além do papel de gestor das reformas educacionais e atuar também como filósofo da educação. 


Anísio Teixeira (4º esq./dir.) e grupo de professores visitam as instalações dos cursos profissionalizantes da Escola Parque. Salvador (BA), 1956. (Arq. AT foto 032/3)

A marca do pensador Anísio era uma atitude de inquietação permanente diante dos fatos, considerando a verdade não como algo definitivo, mas que se busca continuamente. Para o pragmatismo, o mundo em transformação requer um novo tipo de homem consciente e bem preparado para resolver seus próprios problemas acompanhando a tríplice revolução da vida atual: intelectual, pelo incremento das ciências; industrial, pela tecnologia; e social, pela democracia. Essa concepção exige, segundo Anísio, “uma educação em mudança permanente, em permanente reconstrução”.

Educação como meta política

Nos anos 1920, com a crescente industrialização e a urbanização em todo o mundo, a necessidade de preparar o país para o desenvolvimento levou um grupo de intelectuais brasileiros a se interessar pela educação – vista como elemento central para remodelar o país. Os novos teóricos viam num sistema estatal de ensino livre e aberto o único meio efetivo de combate às desigualdades sociais. 

Esse movimento chamado de Escola Nova ganhou força nos anos 1930, principalmente após a divulgação, em 1932, do Manifesto da Escola Nova. O documento pregava a universalização da escola pública, laica e gratuita. Entre os nomes de vanguarda que o assinaram estavam, além de Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo (1894-1974), que aplicou a sociologia à educação e reformou o ensino em São Paulo nos anos 1930, o professor Lourenço Filho (1897-1970) e a poetisa Cecília Meireles (1901-1964). 

A atuação desses pioneiros se estendeu por décadas, muitas vezes criticada pelos defensores da escola particular e religiosa. Mas eles ampliaram sua atuação e influenciaram uma nova geração de educadores como Darcy Ribeiro (1922-1997) e Florestan Fernandes (1920-1995). Anísio foi mentor de duas universidades: a do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, desmembrada pela ditadura de Getúlio Vargas, e a de Brasília, da qual era reitor quando do golpe militar de 1964.

Didática da ação

As novas responsabilidades da escola eram, portanto, educar em vez de instruir; formar homens livres em vez de homens dóceis; preparar para um futuro incerto em vez de transmitir um passado claro; e ensinar a viver com mais inteligência, mais tolerância e mais felicidade. Para isso, seria preciso reformar a escola, começando por dar a ela uma nova visão da psicologia infantil. 


Gilberto Freyre, Anísio Teixeira e Jorge Amado

O próprio ato de aprender, dizia Anísio, durante muito tempo significou simples memorização; depois seu sentido passou a incluir a compreensão e a expressão do que fora ensinado; por último, envolveu algo mais: ganhar um modo de agir. Só aprendemos quando assimilamos uma coisa de tal jeito que, chegado o momento oportuno, sabemos agir de acordo com o aprendido. 



Para o pensador, não se aprendem apenas idéias ou fatos mas também atitudes, ideais e senso crítico – desde que a escola disponha de condições para exercitá-los. Assim, uma criança só pode praticar a bondade em uma escola onde haja condições reais para desenvolver o sentimento. 



A nova psicologia da aprendizagem obriga a escola a se transformar num local onde se vive e não em um centro preparatório para a vida. Como não aprendemos tudo o que praticamos, e sim aquilo que nos dá satisfação, o interesse do aluno deve orientar o que ele vai aprender. Portanto, é preciso que ele escolha suas atividades. 


Por tudo isso, na escola progressiva as matérias escolares – Matemática, Ciências, Artes etc. – são trabalhadas dentro de uma atividade escolhida e projetada pelos alunos, fornecendo a eles formas de desenvolver sua personalidade no meio em que vivem. Nesse tipo de escola, estudo é o esforço para resolver um problema ou executar um projeto, e ensinar é guiar o aluno em uma atividade.



Anísio Teixeira e outros durante visita ao Instituto de Educação, 
1931. Rio de Janeiro(RJ). (CPDOC/AT foto 012)


Paulo Freire




Paulo Régis Neves Freire, educador pernambucano, nasceu em 19/9/1921 na cidade do Recife. Foi alfabetizado pela mãe, que o ensina a escrever com pequenos galhos de árvore no quintal da casa da família. Com 10 anos de idade, a família mudou para a cidade de Jaboatão.


Na adolescência começou a desenvolver um grande interesse pela língua portuguesa. Com 22 anos de idade, Paulo Freire começa a estudar Direito na Faculdade de Direito do Recife. Enquanto cursava a faculdade de direito, casou-se com a professora primária Elza Maia Costa Oliveira. Com a esposa, tem teve cinco filhos e começou a lecionar no Colégio Oswaldo Cruz em Recife.

No ano de 1947 foi contratado para dirigir o departamento de educação e cultura do Sesi, onde entra em contato com a alfabetização de adultos. Em 1958 participa de um congresso educacional na cidade do Rio de Janeiro. Neste congresso, apresenta um trabalho importante sobre educação e princípios de alfabetização. De acordo com suas idéias, a alfabetização de adultos deve estar diretamente relacionada ao cotidiano do trabalhador. Desta forma, o adulto deve conhecer sua realidade para poder inserir-se de forma crítica e atuante na vida social e política. 



Assinatura, em janeiro de 1964, pelo então presidente

João Goulart do  Decreto que criou o Plano Nacional de

Alfabetização, coordenado por Paulo Freire.


No começo de 1964, foi convidado pelo presidente João Goulart para coordenar o Programa Nacional de Alfabetização. Logo após o golpe militar, o método de alfabetização de Paulo Freire foi considerado uma ameaça à ordem, pelos militares.Viveu no exílio no Chile e na Suíça, onde continuou produzindo conhecimento na área de educação. Sua principal obra, Pedagogia do Oprimido, foi lançada em 1969. Nela, Paulo Freire detalha seu método de alfabetização de adultos. Retornou ao Brasil no ano de 1979, após a Lei da Anistia.

Durante a prefeitura de Luiza Erundina, em São Paulo, exerceu o cargo de secretário municipal da Educação. Depois deste importante cargo, onde realizou um belo trabalho, começou a assessorar projetos culturais na América Latina e África. Morreu na cidade de São Paulo, de infarto, em 2/5/1997.


Última Entrevista de Paulo Freire





A Pedagogia da Libertação


Painel Paulo Freire no CEFORTEPE - Centro de Formação, Tecnologia e Pesquisa Educacional da Secretaria Municipal de Educação de Campinas-SP

Paulo Freire delineou uma Pedagogia da Libertação, intimamente relacionada com a visãomarxista do Terceiro Mundo e das consideradas classes oprimidas na tentativa de elucidá-las e conscientizá-las politicamente. As suas maiores contribuições foram no campo da educação popular para a alfabetização e a conscientização política de jovens e adultos operários, chegando a influenciar em movimentos como os das Comunidades Eclesiais de Base (CEB).

No entanto, a obra de Paulo Freire não se limita a esses campos, tendo eventualmente alcance mais amplo, pelo menos para a tradição de educação marxista, que incorpora o conceito básico de que não existe educação neutra. Segundo a visão de Freire, todo ato de educação é um ato político.


Biografia completa (só para quem gosta de ler):
 Fonte: Centro PAULO FREIRE Estudos e Pesquisas 

Sua história de vida é marcada por três períodos, caracterizados por desiguais referências de espaço e tempo. As etapas em que se divide a biografia de Paulo Freire são o Tempo de Recife, o Tempo de Exílio e o Tempo de São Paulo.


Tempo do Recife

O primeiro e mais longo dos três períodos da vida de Paulo Freire, entre 1921 a 1964, teve Recife e Jaboatão como cenários. Anos de infância e adolescência, de formação escolar e consolidação das raízes afetivas e intelectuais de seu pensamento.

Filho de Joaquim Temístocles Freire, capitão da Polícia Militar de Pernambuco e de Edeltrudes Neves Freire, Dona Tudinha, Paulo teve uma irmã, Stela, e dois irmãos, Armando e Temístocles. Sobre amãe Paulo dizia: "Ela era essa coisa eufêmica que se chama prendas domésticas (...). Era uma bordadeira excelente!” (Freire. P. e Guimarães, S., 1982, p. 17). Conforme depoimento de Maria Adozinda Monteiro Costa, educadora e prima de Paulo Freire, que conviveu com a família por vários anos, Dona Tudinha era uma pessoa boníssima, cuja conduta era pautada pela mansidão.


A irmã Stela foi professora primária do Estado. Armando, funcionário da Prefeitura da Cidade do Recife, abandonou os estudos aos 18 anos, não chegou a concluir o curso ginasial. Temístocles entrou para o Exército. Aos dois, Paulo agradece emocionado, em uma de suas entrevistas a Edson Passetti (Passetti, E. 1998, p. 35), pois começaram a trabalhar muito jovens, para ajudar na manutenção da casa e possibilitar que Paulo continuasse estudando.


Guardou da infância lembranças fortes que o acompanharam por toda a vida e que relata em várias de suas obras. “Minha alfabetização”, declarou à Revista Nova Escola, em dezembro de 1994, “não me foi nada enfadonha, porque partiu de palavras e frases ligadas à minha experiência, escritas com gravetos no chão de terra do quintal”. De modo ainda mais incisivo, escreveu em A importância do Ato de Ler (Freire, P. 1982 p.16): “Fui alfabetizado no chão do quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo, não do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-negro; gravetos, o meu giz.”. Em Sobre Educação (Freire, P. e Guimarães, S. 1982 p.14-15): “Você veja como isso me marcou, anos depois. Já homem, eu proponho isso! Ao nível da alfabetização de adultos, por exemplo.”


Na mesma entrevista à Nova Escola (parcialmente transcrita em Paulo Freire, uma biobibliografia, p.30), Paulo fala com ternura de Eunice Vasconcelos, sua primeira professora: “jovenzinha de seus 16, 17 anos (...) ela me fez o primeiro chamamento com relação a uma indiscutível amorosidade que eu tenho hoje, e desde há muito tempo, pelos problemas da linguagem e os da linguagem brasileira, a chamada língua portuguesa do Brasil.”



Difícil para toda a família foi deixar a casa da Estrada do Encanamento, em abril de 1932. Em vários depoimentos e entrevistas, Paulo recorda com amor a casa, o quintal, as duas mangueiras, próximas o bastante para que seu pai armasse uma rede a sua sombra. Lembra que até os sete anos, aproximadamente, o bairro onde havia nascido “era iluminado por lampiões (...) Eu costumava acompanhar, do portão de minha casa, de longe, a figura magra do acendedor de lampiões de minha rua.” (Freire, P. 1982, p.15). Esclarece a Passetti (1992, p. 32): a casa da Estrada do Encanamento, 724, pertencia ao “tio Rodovalho”, comerciante no Rio de Janeiro, que a deixara com a mãe dele, avó de Paulo: “vivíamos todos na casa de minha avó”. “A crise de 1929 afetou o comércio” e o Rodovalho, até então bem sucedido, não encontrou outro caminho senão a concordata, seguindo-se a hipoteca e a perda da casa. Sem recursos para alugar outra casa no Recife, a família foi morar em Jaboatão.


Permaneceria em Jaboatão durante nove anos, de abril de 1932 a maio de 1941. No Recife conservaram, como símbolos de um status provisoriamente perdido, o piano alemão, em que sua tia Lourdes tocava Chopin, Beethoven, Mozart... e a gravata de seu pai. 


De Jaboatão ficaram as lembranças das travessuras com seu irmão Temístocles e com os novos companheiros ali descobertos, “de outra classe”, como indicava o piano: Dourado, Reginaldo, Baixa, Toinho Morango, Gerson Macaco... De Jaboatão mais fortes foram as lembranças da morte do seu pai, em 1934, e das privações antes desconhecidas: “minha compreensão da fome não é dicionária”, escreveria em À Sombra desta Mangueira, (Freire, P. 1995, p. 31).




Em Jaboatão concluiu o curso primário. Mas, na época, não havia como prosseguir sua formação escolar, a não ser no Recife. Iniciou o curso ginasial no Colégio 14 de Julho, no bairro de São José. Sem recursos para continuar os estudos em uma escola paga, interrompeu o curso no final da primeira série. Insistentes pedidos seus reforçaram a luta de Dona Edeltrudes, que fez várias tentativas para conseguir uma escola, onde Paulo pudesse estudar gratuitamente. Após diversas viagens frustradas ao Recife, Dona Edeltrudes encontrou no Professor Aluízio Pessoa de Araújo, do Colégio Oswaldo Cruz, a compreensão que possibilitou a Paulo Freire dar continuidade a sua formação escolar. Ali concluiu o curso secundário, iniciado no Colégio 14 de Julho, e realizou o pré-jurídico, conforme o modelo então vigente. (Freire, A. M. A., 1996, p. 30)

No Colégio Oswaldo Cruz, após algum tempo como censor, Paulo iniciou a carreira do magistério, como professor de português. Substituía Moacir Albuquerque, considerado, então, um dos melhores professores de português do Recife. De 1941 a 1944, recorda: “...vivi um tempo intensamente dedicado a leituras tão críticas quanto me era possível fazer, de gramáticos brasileiros e portugueses.” Prossegue: “Parte da parte que me cabia do que eu ganhava dedicava à compra de livros e de velhas revistas especializadas. (...) Raramente, naquele período de alumbramento em que me achava, apaixonado, enfeitiçado mesmo, pela docência no Colégio Oswaldo Cruz, apliquei um dinheiro maior na compra de uma roupa. (...) Não andava sujo, é verdade, mas andava feiamente vestido”. (Freire, P. 1994, p. 103-4)

Em 1943 ingressou na Faculdade Direito do Recife. No ano seguinte, casou-se com Elza Maria Costa de Oliveira, professora primária, que exerceria um papel fundamental na vida e na construção das idéias e das práticas de Paulo Freire. Sobre Elza, dizia Paulo “Ela influenciou-me enormemente. Assim, meus estudos lingüísticos e meu encontro com Elza conduziram-me à pedagogia.” (Freire, P. e Macedo, D. 1990, p. 109). Com Elza, Paulo teve cinco filhos: suas três Marias, como gostava de dizer (Maria Madalena, Maria Cristina e Maria de Fátima), Joaquim e Lutgardes.

Arturo Ornelas (Gadotti, Org., 1996, box 34, p.150-51) declara que quando viu Elza pela primeira vez experimentou uma impressão da qual jamais esqueceu. E acrescenta: “Trabalhamos juntos na África, em São Tomé e Príncipe. Aí conheci a professora Elza, aquela que ensinava aos africanos de São Tomé, o caminho para descobrirem as palavras geradoras, os temas geradores a partir do universo vocabular; enquanto ela os ensinava eu também aprendia. Com ela, também, discutíamos e analisávamos a política nacional, a economia do país, a beleza e a dor da África.”

Quase Bacharel em Direito, aluno do último ano, não precisou de longo “estágio”, mas de uma decisiva e inconclusa experiência – a cobrança de um débito – para compreender com clareza que a prática jurídica não poderia ser seu cotidiano profissional.


No mesmo ano, 1947, ainda como professor de português no Colégio Oswaldo Cruz, tomou conhecimento, através de Paulo Rangel Moreira, da instituição do SESI pela Confederação Nacional das Indústrias. Paulo Rangel, em visita a sua casa, na Rua Rita de Souza, falou, em presença de Elza, da criação do SESI e do que trabalhar nele poderia significar para os dois. 


Quanto a Paulo Freire, trazia-lhe o convite para ocupar a direção de uma Divisão de Educação e Cultura. Para Paulo Freire, o SESI representaria muito mais do que um emprego. Junto ao desafio e à aprendizagem, foi a oportunidade decisiva para a definição de sua história profissional como educador e filósofo da educação. Em 1992, Paulo Freire afirmaria na Pedagogia da Esperança (Freire, P. 1992, p. 18): “A Pedagogia do oprimido não poderia ter sido gestada em mim só por causa de minha passagem pelo SESI, mas minha passagem pelo SESI foi fundamental.”



Nos anos 50, o fazer administrativo e a ação pedagógica (cuja clientela era formada preponderantemente por trabalhadores na indústria), inerentes a seu cotidiano no SESI, o magistério na Escola de Serviço Social de Pernambuco e na Escola de Belas Artes, da Universidade do Recife, onde lecionava História e Filosofia da Educação, foram as referências regulares de trabalho que provocaram sua criatividade e alimentaram a construção de seu pensamento. Além disso, nos anos 50/60, respirava-se no Recife um clima de renovação e de esperança que encontrava no pensamento de Paulo Freire fundamentação e, ao mesmo tempo, o fortalecia (Rosas, P. in Freire, P. 2001, p. XLIX-LXXV).


Os anos 50 foram particularmente importantes para a solidificação do pensamento de Paulo Freire, no tangente a leituras e reflexões. Leituras e reflexões muitas delas comuns aos que chamo (Rosas, P. 1986, p. 23-4) de “uma certa força de trabalho em disponibilidade”, que então havia no Recife, formada por professores, artistas, intelectuais, estudantes insatisfeitos com o statu quo, entre os quais me incluo. 


A bibliografia citada por Paulo Freire em Educação e atualidade brasileira (1959) salienta autores integrantes do ISEB (Roland Corbisier, Hélio Jaguaribe, Djacir Menezes, Guerreiro Ramos, Álvaro Vieira Pinto) e “clássicos”, à maneira de Rugendas e Saint-Hilaire, além de Fernando Azevedo, Anísio Teixeira, Gilberto Freyre, Karl Mannheim, Gabriel Marcel, Jacques Maritain, Caio Prado Junior. Essas ou a maioria dessas eram também nossas leituras ou as leituras de muitos de nós. Além de achados mais pessoais de Paulo Freire, como Zevedei Barbu. Eram, igualmente, leituras nossas Emmanuel Mounier, Georges Gurvitch, Lebret. Paulo procurava as idéias, mas sempre foi sensível à forma, ao escrever bem. Ainda quando do seu retorno ao Brasil, indicava aos jovens ler Gilberto Freyre, destacava Nordeste, ainda que muitas idéias divergissem das suas, para ver o que era escrever bem.



Nas palavras de Ana Maria Araújo Freire (1996, p.35), foi como autor do Relatório da Comissão Regional de Pernambuco, intitulado “A educação de adultos e as populações marginais – o problema dos mocambos”, apresentado no II Congresso Nacional de Educação, realizado no Rio de Janeiro em julho de 1958, “que Paulo Freire firmou-se como educador progressista.”

No que se aprofundava na análise política e filosófica da educação, Paulo Freire definia sonhos e utopias possíveis, seu pensamento fazia-se mais consistente, seu fazer, mais criativo, sem perder a coerência entre o pensar e o fazer. De outra parte, provocou perplexidades e críticas, nem sempre formalmente expressas. Entretanto, agir de acordo com a rigorosidade ética, mas sem rigorismo, suscitou, muitas vezes, incompreensões. Como suscitou incompreensões dizer, publicamente, considerar justo receber certas homenagens, quando o comportamento esperado era o de agir de acordo com a praxe, dizendo-se não merecedor do que lhe era conferido, mesmo sendo insincero. A recusa da conduta insincera ficou explicitada, por exemplo, ao receber homenagem da Fundação Joaquim Nabuco, medalha de “pesquisador emérito”, em novembro de 1996.

A substituição do formato convencional das salas de aula pela distribuição dos atores em círculos e o emprego de técnicas de grupo (a conversa, o grupo de estudo, o grupo de ação, o fórum, o grupo de debate e a carta temário) como alternativas à conferência e à exposição didática, preparavam o clima para o diálogo e a descoberta, pelos atores, de saberes já existentes entre eles, mas não percebidos como saberes. O “movimento” da consciência intransitiva para a transitivo-ingênua e, desta, para a consciência “fanatizada” (massificação) ou a consciência crítica foi, de certo, o ponto de partida para as construções futuras da pedagogia freireana. Inclusive dos princípios do “método Paulo Freire de alfabetização”. A utilização de técnicas audiovisuais (projetores) facilitaria a prática do “método”, tanto quanto poderia facilitar, entre os alfabetizandos e os alfabetizados, sobretudo a partir da problematização e da pergunta/diálogo, a leitura ou releitura crítica do mundo.


No processo de criação do “método”, Paulo Freire, do mesmo modo como ocorrera com sua própria alfabetização, salienta o universo vocabular do alfabetizando como ponto de partida. Descreve a Nilcéa Lemos Pelandré (Pelandré, 2002, p. 59): “... era preciso que eu fosse ao contexto de quem ia aprender a ler, para pesquisar o discurso da cotidianidade e de lá retirar o vocabulário a ser utilizado no processo”. Na simplicidade deste ato se encontra a origem do envolvimento dos alfabetizandos, não apenas quanto ao interesse por aprender a ler a palavra escrita, mas se dispor a participar da problematização de situações e a dialogar quanto à busca de explicações lógicas para as situações/problemas.


O advento dos anos 60 encontrou Paulo Freire com todo o delineamento de um pensamento político-pedagógico dialógico e libertador, condicente a atitudes indicativas da autonomia e do intercâmbio dos saberes entre o aprendiz e o educador. O Movimento de Cultura Popular (MCP), o Serviço de Extensão Cultural (SEC), da Universidade do Recife, a experiência de Angicos e o Programa Nacional de Alfabetização, do MEC, foram, então, os campos de exercício da criatividade e das práticas pedagógicas de Paulo Freire, sempre objetos de novas reflexões.



Apesar de Paulo Freire se sentir cada vez mais interessado em aprofundar a discussão dos fundamentos filosóficos de suas propostas pedagógicas, o sucesso alcançado pelas primeiras experiências com o método atropelava o desejo de seu idealizador. “No princípio era o método” – escreve Gerhardt (Gerhardt, 1996, p.156). E, não se pode negar, o método era um dos primeiros sonhos possíveis de Paulo Freire.


No MCP, onde era Diretor da Divisão de Pesquisa e Coordenador do Projeto de Educação de Adultos, promoveu sua primeira aplicação, a qual teve lugar no Centro de Cultura Dona Olegarinha, no Poço da Panela, Recife (Freire, P. 1963). A turma era formada por 5 adultos analfabetos. Dois desistiram. Testemunha Freire: os alfabetizandos eram de origem rural, “revelando certo fatalismo e certa inércia diante dos problemas. Completamente analfabetos.” Já o primeiro teste, no vigésimo dia, alcançou resultados animadores. No trigésimo dia, “liam e escreviam texto simples e até jornal.”


A prática foi repetida com um grupo de oito pessoas (3 desistiram). Os 5 restantes obtiveram resultados semelhantes ao anterior. Um terceiro grupo, de 25 pessoas, foi iniciado, mas por motivos que independeram da vontade de Paulo Freire, o trabalho precisou ser interrompido na vigésima hora, “com a maioria já lendo e escrevendo palavras e pequenos textos.”




Outras aplicações do método foram feitas em João Pessoa (CEPLAR) e na Universidade do Recife (Serviço de Extensão Cultural), com a colaboração de estudantes, sempre com resultados que justificavam a continuidade. Grupo de jovens pesquisadores atuando no SEC, entre os quais Jarbas Maciel, Jomard Muniz de Britto e Aurenice Cardoso,
desenvolviam estudos sobre a fundamentação teórica do que já chamavam “Sistema Paulo Freire”.



Seguiu-se a experiência de Angicos, no Rio Grande do Norte, desenvolvida entre janeiro e março de 1963, sem dúvida o mais expressivo esforço de alfabetização, empregando-se o “método Paulo Freire”, então concretizado no Brasil. Provocou uma certa polêmica, inclusive entre companheiros de Paulo Freire, pois foi realizada com recursos da USAID e interveniência de Aluizio Alves, na época Governador do Rio Grande do Norte. Entretanto, deu mais visibilidade às possibilidades pedagógicas e políticas do método e acirrou os temores dos conservadores (Lyra, C. 1996).

Finalmente, o Programa Nacional de Alfabetização, do MEC, cuja coordenação assumiu, a convite do ministro Paulo de Tarso Santos. O Programa deveria adotar o “método Paulo Freire” e alcançar amplitude verdadeiramente nacional. Projeto político, “mas sem Partido e sem politiquices”, declarou Paulo a Sérgio Guimarães (Freire, P. e Guimarães, S. 1987, p. 13). E acrescentou: “Não quero dizer que na época já estivéssemos com o esquema montado para o país todo, mas quase: estávamos cuidando da capacitação de quadros que, por sua vez, se multiplicavam, etc. Com esse Plano, pretendíamos alcançar o país todo.”

A utilização do “método Paulo Freire” em Angicos e no Programa Nacional de Alfabetização, do MEC, contribuiu, sem dúvida, para a prisão de Paulo e seu posterior exílio, quando foi deflagrado o golpe de estado de1964.


Apesar da significativa influência exercida sobre os movimentos de cultura e educação popular dos anos 60 (Movimento de Cultura Popular, Recife, do qual foi um dos fundadores e dirigente; Campanha De Pé no Chão também se Aprende a Ler, Natal; Movimento de Educação de Base, de âmbito nacional; Campanha de Educação Popular, João Pessoa), das experiências de Angicos, do Programa Nacional de Alfabetização e do Serviço de Extensão Cultural, nesse primeiro período escreveu apenas um livro: Educação e Atualidade Brasileira, que teve uma edição particular, do Autor: Recife, 1959. Somente em 2001 Educação e Atualidade Brasileira teria uma edição comercial, São Paulo: Cortez Editora. 


Em 1961, a Imprensa Universitária, da então Universidade do Recife, publicou a obra A Propósito de uma Administração, onde Paulo Freire expôs sobre as atividades realizadas pelo Professor João Alfredo Gonçalves da Costa Lima, na Reitoria da Universidade. 


Fora do comércio foram também os Livros de exercício e o do monitor, destinados à orientação dos alfabetizadores. O único livro de Paulo Freire publicado antes do exílio data de 1963: Alfabetização e conscientização, Porto Alegre, Editora Emma.



Com o golpe de estado de 1964, Paulo Freire foi preso no dia 16 de junho, acusado de atividades subversivas. Permaneceu 70 dias detido, parte em Olinda, parte no Recife, mas em diversas celas. Ou, como declarou a Sérgio Guimarães (1987, 66): “fui inquilino de duas casas, mas morei em vários apartamentos”...
Consciente da realidade que vivia o país e que vivia ele próprio, retirou da situação a oportunidade imprevista de uma nova aprendizagem. Consciente de ser preciso aprender a viver na cela, aprendeu com Clodomir Moraes palavras e expressões que “preso não usa em depoimento”: aliás, por sinal, a propósito... “até que você pare, vai ter que meter um terceiro no fogo”... Aprendeu novas formas de solidariedade. De respeito (e testemunhou desrespeito) à pessoa. A participar de jogos e passatempos: em um dos jogos, invenção de um jovem vizinho de cela (não se viam, mas se ouviam), Ariano Suassuna e o autor deste artigo, entre outros não citados, foram “personagens”... Questionado, Paulo Freire revelou a Guimarães: “Saudade, sim. Desespero, não.”.


Tempo de Exílio

O fato de ser posto em liberdade não lhe oferecia o mínimo de segurança de poder retomar seu trabalho de educador e filósofo da educação, sem a constante ameaça de voltar a ser preso. O Programa Nacional de Alfabetização fora extinto já no dia 14 de abril. Por duas vezes tinha sido forçado a viajar do Recife ao Rio de Janeiro para responder a inquérito policial-militar.Entretanto, resistia a sair do Brasil.

Partiu, então, para seu tempo de exílio: de setembro de 1964 a junho de 1980. Em uma rápida passagem pela Bolívia, o Embaixador se recusava a receber mais um asilado político. Vencida a barreira, durante sua permanência na Embaixada, no Rio de Janeiro, foi procurado pelo Diretor de um Departamento do Ministério da Educação da Bolívia, que o contratou para prestar assessoria no campo da educação, em particular da educação primária e de adultos. Saía do Brasil empregado. Entretanto, não suportou a altitude de La Paz.

Entre novembro de 1964 a abril de 1969 viveu em Santiago do Chile. Em 1992 escreveu, na Pedagogia da esperança (p. 35): “Cheguei ao Chile de corpo inteiro. Paixão, saudade, tristeza, esperança, desejo, sonhos rasgados, mas não desfeitos, ofensas, saberes acumulados, nas tramas inúmeras vividas, disponibilidade à vida, temores, receios, dúvidas, vontade de viver e de amar. Esperança, sobretudo.”

Em Santiago, o reencontro com a família – Elza e os filhos, chegados em meados de janeiro de 1965 – possibilitou viver uma nova experiência, novas aprendizagens resultariam e, ao mesmo tempo, seriam o início de uma das linhas de força que marcariam sua história de vida. No Chile, respirou um certo clima de Brasil, o encontro e a aproximação com intelectuais brasileiros igualmente exilados: Plínio Arruda Sampaio, Ernani Maria Fiori, Álvaro Vieira Pinto, Francisco Weffort, Fernando Henrique e Ruth Cardoso, Thiago de Mello, entre outros. Certamente, não havia entre eles unidade de pensamento nem ali estavam levados por motivos idênticos.

Em Santiago retomou o fio de sua prática pedagógica, de inicio, como assessor de Jacques Chonchol, Presidente do Institututo de Desarrollo Agropecuario (INDAP). Posteriormente, na condição de consultor da UNESCO, atuando no Instituto de Capacitación y Investigación de la Reforma Agrária (ICIRA).


No Chile escreveu seu primeiro livro publicado comercialmente: Educação como prática da liberdade, “uma revisão ampliada” de Educação e atualidade brasileira, a tese com que concorreu à cátedra de História e Filosofia da Educação, na Escola de Belas Artes da Universidade do Recife. Os originais em português da, Pedagogia do Oprimido, foram igualmente escritos no Chile, entre 1967 e 1868 e seriam publicados pela primeira vez em 1970: em inglês, nos Estados Unidos da América (Pedagogy of the oppresed), Nova York, Herder and Herder, e em português, com importante prefácio de Ernani Maria Fiori, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra (Cf. Gadotti, M., Organizador, 1996, p.262).


No Chile, foram ainda escritos alguns dos livros de Paulo Freire: Educação e conscientização: extensionsimo rural (em colaboração com Ernani Maria Fiori, José Luiz Fiori e Raul Veloso Farias), CIDOC, Cuernavaca, México, 1968; Contibución al proceso de conscientización del hombre en América Latina, Montevidéu, 1968; Acción cultural para la lidertad, ICIRA, Santiago, 1968; Extensión o comunicación? La conscientización en el medio rural, ICIRA, Santiago, 1969 (Cf. Gadotti, M., Organizador, 1996, p.260-62). Esses livros davam forma a seu discurso no Recife, inclusive ao discurso-base do “método Paulo Freire” e anunciavam sua obra prima: a Pedagogia do oprimido.



Do Chile saiu pela primeira vez em 1966, para realizar conferências e participar de seminários no México, Cuernavaca, onde reencontrou Ivan Ilich, que conhecera no Recife, no início dos anos 60, e estabeleceu um bom relacionamento com Erich Fromm. Em 1967 fez sua primeira visita aos Estados Unidos da América, a convite de seis Universidades norte-americanas.. Voltaria aos Estados Unidos, ainda em seu tempo de exílio, para uma permanência mais longa, de abril de 1969 a fevereiro de 1970, em Harvard e, não simultaneamente, em um Centro de Pesquisa, orientado “no sentido de uma compreensão crítica do desenvolvimento” (Freire, P. e Guimarães, S. 2000, p. 76-78).

A saída para os Estados Unidos foi uma decisão que envolveu toda a família. Em 1969 Madalena já havia casado e estava morando no Brasil. Em 1970 tinha vários convites: continuar nos Estados Unidos por mais três anos (possibilidade que agradava a Elza), Canadá, Genebra (Conselho Mundial das Igrejas).

Amava e era grato ao Chile. De outra parte, algumas dificuldades começaram a surgir no Chile: boatos, que considera “de um ridículo enorme”, de que “teria escrito um livro violentíssimo contra a democracia cristã como um todo, mas sobretudo contra a pessoa do Presidente Frei, que era um homem de bem”. Acrescenta em depoimento a Sérgio Guimarães (Freire, P. e Guimarães, S. 1987, p.107): “Não quis ser saído de novo”.

Além disso, de acordo com informação de Almeri Bezerra de Melo (2001, p. 28), Paulo Freire, que não se adaptara à altitude na Bolívia, agora enfrentava um maior obstáculo no Chile: os terremotos. “Acho que tudo pode me faltar na vida; daria um jeito. Mas, o chão, isso não! Quero sair dessa terra.” Diante disso, declara Almeri Bezerra ter ido a Genebra, acompanhado do presidente e do secretário executivo do Centro de Documentação da Igreja Pós-conciliar. Propuseram e foram acatados pelo Conselho Mundial das Igrejas, que enviou a Paulo uma carta convite para prestar algo como uma consultoria especial ao Departamento de Educação do Conselho. Diz Almeri, no mesmo local: “ele viria para as margens do Lago Leman, onde não há terremotos; teria uma sala com secretária, a biblioteca da instituição, uma digna ajuda de custos e tempo para estudar e aprofundar suas idéias...”


Durante 10 anos, de fevereiro de 1970 a junho de 1980, Freire encontrou em Genebra, no Conselho Mundial das Igrejas, endereço estável. Professor na Universidade de Genebra, com liberdade para desenvolver experiências fora da Suíça, Paulo Freire partiu para o mundo (sempre retornando a Genebra). Fez-se presente com sua palavra e ação na Ásia, Oceania, América e, sobretudo, na África de língua portuguesa (Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau). A partir de Genebra, Paulo Freire projetou-se na história da educação no século XX como um cidadão do mundo. Amadureceu afetiva e intelectualmente, a partir dos desafios vivenciados em diferentes culturas. No Conselho Mundial das Igrejas, confessa: “Eu nunca talvez tenha sido tão livre!” O mesmo diria, de modo mais incisivo, em uma entrevista a Tempo e presença (1979, citada por Faundez, 1996, p. 190): “E se você me pede para testemunhar, enquanto cristão, católico de formação, direi que jamais, em toda a minha vida, me senti tão livre, quanto no período que trabalhei no Conselho Mundial das Igrejas. E deve-se convir que eu trabalhei em muitos outros lugares.”

A expansão de suas atividades fora de Genebra foi facilitada pela criação do Instituto de Ação Participativa (IDAC), fundado em 1971, em Genebra, por Paulo Freire juntamente com outros exilados brasileiros (Claudius Ceccon, Miguel e Rosiska Darcy de Oliveira). O IDAC levou Paulo Freire e o grupo que com ele atuava em Genebra a Cabo Verde, Angola, Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau. O projeto de assessoria a Guiné-Bissau se alongou por cinco anos (Ceccon, C. 1996, p. 214). Sem dúvida, como observa Faundez (1996, p. 190): “Todos os que conhecem o pensamento e a prática educativa de Paulo Freire sabem que os anos 70 foram o período mais profundo e mais rico de sua práxis pedagógica, sempre em contínua e constante evolução.”

Com a perspectiva do retorno de Paulo Freire ao Brasil, em decorrência da anistia, a sede do IDAC foi transferida para o Rio de Janeiro e passou a ser um Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais, cujo principal objetivo “é a divulgação das obras e do pensamento de Paulo Freire” (Gadotti, M., Org., 1996, p. 682).

Paulo Freire tinha 43 anos de idade quando partiu para o exílio. Retornou quase 16 anos após. Em junho de 1979 obtivera seu primeiro passaporte brasileiro. Passou o mês de agosto no Brasil. Mas, somente no ano seguinte voltaria para ficar. Chegava com o desejo de “reaprender o Brasil”, como em 1964 falara de “aprender o Chile”.

Apesar do muito que ensinou ao mundo, que aprendeu do mundo, jamais perdeu os vínculos afetivos e culturais com o Brasil, o nordeste brasileiro, o Recife. “Antes de ser cidadão do mundo”, repetiu várias vezes, “sou um cidadão do Brasil.” Jamais perdeu sua recifensidade.

O período do exílio foi duramente vivido. Assim escreveu na Pedagogia da esperança (Freire, P., 1992, p.35): “É difícil viver o exílio. Esperar a carta que se extraviou, e notícias do fato que não se deu. Esperar às vezes gente certa que chega, às vezes ir ao aeroporto simplesmente esperar, como se o verbo fosse intransitivo.” Mas, ao mesmo tempo, lhe proporcionou a oportunidade de consolidar seu pensamento.

Voltou com um novo aspecto: a barba, que começou a usar nos Estados Unidos, para se defender do frio. Mas, era o mesmo Paulo Freire, profundamente telúrico, antes de tudo, um pensador, um filósofo da educação, um educador e, por ser educador, um político.


Tempo de São Paulo

Voltou para o Brasil e para o Recife: “Recife, sempre” escrevera do Chile. Então, por que São Paulo? por que não, Recife?

São Paulo foi uma opção quase inevitável. Ninguém melhor do que Ana Maria Freire, para testemunhar (Freire, A. M. A., 1996, p. 44-45): “Condições políticas ainda difíceis”, decorrentes da Lei da Anistia, diz Ana Maria Freire, exigiam do antigo exilado, que pretendesse retomar suas antigas funções, requerer ao governo o estudo do seu caso. Requerimento pode ser deferido ou indeferido. Pode estabelecer restrições. Ainda que fosse deferido e sem restrições, seria uma condição inaceitável. “Por considerá-la ofensiva, recusou-se a aceitar tal exigência, tanto no caso da docência quanto no de técnico”, referente a suas atividades no antigo SEC.

Paulo Freire precisava do apoio institucional que lhe assegurasse uma base salarial justa, referência internacional e liberdade para atender aos inúmeros convites que, bem sabia, continuariam a vir dos Estados Unidos da América e de outras partes do mundo para ministrar cursos e conferências. Convites que, de fato, ocorreram, até o final de sua vida. Convites e convocações de Universidades e de outras entidades internacionais, que representavam justas honrarias, por tudo o que construíra e continuava construindo em prol da educação.

Só a morte o impediu de repetir de viva voz: “Se, de um lado a educação não é a alavanca das transformações sociais, de outro, estas não se fazem sem ela”.

De “viva voz”, no entanto, continuou insistindo na Pedagogia da Indignação, obra póstuma organizada por Ana Maria Araújo Freire: denúncia, anúncio, profecia, utopia e sonho (Freire, P., 2000, p.91).

Em São Paulo, encontrou as condições de trabalho e a liberdade de ação que não encontraria no Recife. “Devido a possibilidade aberta pela Lei da Anistia e pelo espírito democrático da Reitoria da PUC, pôde ficar para trabalhar, amar e criar em seu próprio país” (Freire, A M. A ., 1996, p. 44).

Além disso, de setembro de 1980 ao final do ano letivo de 1990, foi professor da UNICAMP. Entretanto, somente em 1985, a UNICAMP conferiu a Paulo Freire a condição de professor titular. Para tanto, o Reitor solicitou do Conselho Diretor um “parecer sobre Paulo Freire”: Rubem Alves foi o encarregado de faze-lo e elaborou um incisivo documento, transcrito por Ana Maria Araújo Freire em “A voz da esposa – A trajetória de Paulo Freire” (1996, p.44-45).


No mesmo ano de seu retorno ao Brasil, 1980, Paulo Freire decidiu, pela primeira vez, filiar-se a um Partido Político: o Partido dos Trabalhadores (PT), do qual foi um dos fundadores. Nos anos 50, certa frustração, diante das expectativas e do processo da redemocratização de 1945, não estimulara Paulo Freire a se envolver na política partidária. Nem mesmo durante os primeiros anos dos 60. Testemunha, no entanto, que por muitos anos sonhou com um Partido Político diferente. No “Manifesto à maneira de quem, saindo, fica”, Epílogo de Educação na Cidade (1991, p. 143), Paulo Freire confessa: “Esperei por mais de 40 anos que o PT fosse criado.” Ao tomar conhecimento da proposta de criação de um Partido dos Trabalhadores, ainda na Europa, já expressou sua adesão.

Se durante os anos 70, no Conselho Mundial das Igrejas e do Conselho Mundial das Igrejas para o mundo, Paulo Freire alcançou o período mais profundo e mais rico de sua práxis educativa, nas palavras de Antonio Faundez, as décadas seguintes, dos anos 80 e 90, não apenas o mantiveram andarilhando mundo afora mas, agora, também pelo Brasil. Se Freire realizou sua reaprendizagem do Brasil, uma releitura do Brasil, o Brasil fez uma redescoberta de Paulo Freire. De 1964 a 1980, nomes como os de Paulo Freire e Dom Helder Câmara, experiências pedagógicas como a do Movimento da Cultura Popular, a Campanha De Pé no Chão Também se Aprende a Ler, o Movimento de Educação de Base eram “protegidos” pela cultura do silêncio. As conseqüências são, ainda hoje, conhecidas: no Brasil: quantos cursos de Pedagogia têm nos seus currículos o estudo do pensamento de Paulo Freire?


Em outubro de 1986, Paulo foi surpreendido pela morte de Elza. É verdade que o estado de saúde de Elza inspirava cuidados. Era cardíaca. Usava um marcapasso.


A morte de Elza representou para Paulo uma perda muito difícil de absorver. Entretanto, compreendeu que era preciso viver. Fez a opção pela vida e pelo amor. No dia 27 de março de 1998 casou com Ana Maria Araújo. Ana Maria era, então, sua orientanda no curso de mestrado da PUC. Paulo a conhecera no Recife, filha de Aluízio Araújo, cujo papel havia sido tão decisivo em sua história, ao conceder-lhe, na condição de Diretor do Colégio Oswaldo Cruz, a bolsa que possibilitou a continuidade dos seus estudos.



De um belo depoimento de Mere Abramowicz (1996, p.201-04), envolvendo dois momentos da vida de Paulo, a perda de Elza (1986) e o encontro com Nita - Ana Maria Araújo – (1988). “1986 – É um processo lento e difícil. Eu só saio disso se eu sair. Eu não posso ser saído, puxado por alguém. Decidir que eu saio é romper. Decidir é ruptura. Ficar com o morto é a tendência. Ficar com o que está vivo, essa é a decisão! Em momentos como eu experimento agora, morre-se um pouco. Muito de mim ficou vivo. Tenho uma lealdade para com a minha sobrevivência.”

Ao receber o título de Doutor honoris causa na PUC de São Paulo: “1988 – Amei durante 42 anos intensamente! Elza morreu e eu não matei Elza em mim. Mas optei pela vida! É a única forma de viver e ser leal a Elza. Tive a coragem de casar, de amar outra vez! Vivi momentos de culpa ao olhar uma rosa bonita! Amando essa outra mulher encontrei o mundo! Quem não é capaz de amar tem que se rever. Dedico esse título à memória de uma e à vida da outra!”
De 01 de janeiro de 1989 a 27 de maio de 1991 Paulo Freire ocupou o cargo de Secretário da Educação da Cidade de São Paulo. Não era a primeira vez que ele exercia a administração de um organismo de natureza educacional. Na verdade, assim começara, no SESI, em Pernambuco. Em 1960, Germano Coelho (2002, p. 49), na condição de Diretor Executivo do Departamento de Documentação e Cultura (DDC), da Prefeitura do Recife, nomeou Paulo Freire para a Diretoria de Cultura da entidade. No Movimento de Cultura Popular, era ele o Diretor da Divisão de Pesquisa e, como tal, integrante do seu Conselho de Direção. No SEC (Serviço de Extensão Cultural), órgão por ele criado no quadro da então Universidade do Recife, era igualmente o Diretor. Em 1964, por ocasião do Golpe, Paulo Freire era o Coordenador do Programa Nacional de Alfabetização, instituído no MEC pelo Ministro Paulo de Tarso Santos.

A escolha do nome de Paulo Freire para a Secretaria de Educação do Município de São Paulo, pela Prefeita Luíza Erundina, foi “a opção mais lógica”, observam Moacir Gadotti e Carlos Alberto Torres (1995, p. 11-17): não apenas pelo fato de ser Paulo Freire o educador que era, mas por ser membro fundador do PT, integrar sua Comissão de Educação, ser o Presidente da Fundação Wilson Pinheiro, também do PT. Paulo aceitou o novo desafio, com a condição de permanecer como Secretário apenas durante os dois primeiros anos da gestão da Prefeita Luíza Erundina. Tinha o projeto de escrever outros livros, o que não seria possível enquanto estivesse envolvido com a engrenagem da administração pública. E considerava seus cursos, conferências, entrevistas debates e livros como tarefas prioritárias.

Tanto que Paulo Freire não foi (nem poderia ter sido) um executivo convencional. Nem sempre foi compreendido quando, percebendo que seria conveniente para o andamento das tarefas burocráticas, dar-se um tempo de lazer para refletir melhor. Interrompia suas atividades na Secretaria e, sem meias palavras, dizia: “vou ao cinema com minha mulher”.

A obra que resultou de seu tempo de Secretário, A Cidade na Educação, tampouco aborda o dia-a-dia da burocracia. Reúne dois conjuntos de entrevistas, concedidas, as primeiras, ao longo do ano de 1989, sob o título geral de “Educar para a liberdade numa metrópole contemporânea”, a periódicos brasileiros (Leia, Escola Nova, Psicologia – do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo) e estrangeiros (do Canadá e da Itália); ao Sindicato dos Trabalhadores do Ensino, de Minas Gerais; à Fundação para o Desenvolvimento do Oeste do Paraná. São, como são, em geral, as entrevistas de Paulo Freire, oportunidades de reflexões livres, ainda que um tema focal sirva de fio condutor do pensamento. Reflexões que nos conduzem a refletir também, sobre os déficits da educação brasileira; para mudar a cara da escola; desafio da administração municipal; alfabetização de jovens e adultos; história como possibilidade.

O segundo conjunto de entrevistas compreende um intercâmbio de reflexões e experiências com a Professora Ana Maria Saul e os Professores Moacir Gadotti e Carlos Alberto Torres.

No Epílogo que fecha o livro (Manifesto à maneira de quem, saindo, fica), escreve: “Não estou deixando a luta, mas mudando, simplesmente, de frente”.
Contribuiu, ainda, para a construção do Instituto Paulo Freire, de São Paulo, e a mais completa fonte bibliográfica para o estudo de sua história e do seu pensamento: Paulo Freire – uma biobibliografia, Organizada por Moacir Gadotti e Colaboradores (1996).

No dia 12 de abril de 1991, testemunha Moacir Gadotti (2001, p. 17), “Paulo Freire, numa reunião com educadores e amigos, lançou a idéia da criação do Instituto Paulo Freire. Seu desejo era encontrar uma forma de reunir pessoas e instituições do mundo todo que, movidas pela mesma utopia de uma educação como prática da liberdade pudessem refletir, trocar experiências, desenvolver práticas pedagógicas nas diferentes áreas do conhecimento que contribuíssem para a construção de um mundo com mais justiça social e solidariedade.”

Naquele ano, 1991, 19 de setembro, Paulo Freire completou 70 anos de idade. Este fato ensejou numerosos registros e homenagens, com ou sem sua presença, em várias partes do mundo. No Recife, sua Cidade, o Conselho Estadual de Educação e a Secretaria de Educação, Cultura e Esportes do Estado de Pernambuco promoveram, conjuntamente, uma afetuosa homenagem a seu filho, por vários títulos, ilustre: 70 anos de Paulo Freire no mundo.

No Manifesto à maneira de quem, saindo, fica, Paulo Freire declarou não estar abandonando a luta, mas “mudando de frente”. Talvez fosse mais exato, dizer: retornando à frente à qual dedicou o tempo mais substancial de sua vida – pensar e escrever seus sonhos e utopias. Sonhos e utopias que dariam corpo a obras que completariam, ao lado de Educação como prática da liberdade (1967) e Pedagogia do oprimido (1970), algumas das referências maiores para se compreender Paulo Freire: Pedagogia da esperança (1992), Cartas a Cristina (1994), À sombra desta mangueira (1995), e Pedagogia da autonomia (1997). E deixaria, simbolicamente, inconclusos, cartas e textos que seriam reunidos por Ana Maria Araújo Freire em um livro emblemático: Pedagogia da Indignação (2000). Na verdade, como escreveu Balduino Andreola, que a prefaciou, não se trata de uma obra póstuma. Penso que simboliza uma história não finalizada, mas que continua “se fazendo”. Não era uma frase de efeito, mas uma convicção profundamente arraigada, quando Paulo Freire dizia: “seguir-me é não me seguir; é reinventar-me.”

Nos anos 90, durante a gestão da Professora Silke Weber na Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, Paulo Freire fez diversas visitas ao Recife e, também, ao Cabo de Santo Agostinho. Vinha, quase sempre, para falar aos professores e professoras de várias entidades, principalmente atuando em programas de alfabetização. Trabalhava, então, dando continuidade a vínculo que tinha raízes profissionais nos anos 50, ao lado de Maria Adozinda Monteiro Costa.

Em fevereiro de 1997, Paulo Freire fez sua última visita ao Recife. Veio a convite do SESI. Proferiu, então, uma palestra (Freire, P. 1997-b), a última entre nós, quando rememorou os dez anos em que trabalhou no SESI. Mais uma vez, repetiu: “mudar é difícil, mas é possível.”

Escreve Ana Maria Araújo Freire, na Pedagogia da indignação (Freire, P., 2000, p. 67-68) que, apesar de cansado, ainda em abril de1997, Paulo se encontrava intelectual e emocionalmente envolvido com o seu trabalho, com a educação. Lembra que, no dia 20, recebeu a visita de Germano Coelho e de sua filha, Verônica, e para eles leu as cartas pedagógicas que estava escrevendo. Germano e Verônica “foram as últimas pessoas que tiveram o privilégio de saber detalhes e de ouvir da própria voz do autor, trechos desse livro inacabado” (Pedagogia da indignação).

Dois dias após, 22 de abril de 1997, Paulo Freire proferiu, na PUC de São Paulo, sua última aula.

Nas palavras de Ana Maria, naquele último encontro com Paulo Freire, Germano Coelho e Verônica “testemunharam a energia emanada de sua indignação e de seu amor; a vontade de trabalhar e de participar, criticamente, da vida de seu país; e o gosto de viver que Paulo levou consigo na madrugada de 2 de maio de 1997.”

Paulo Freire morreu de infarto, aos 75 anos de idade.



Obras do educador Paulo Freire:


  • 1959: Educação e atualidade brasileira. Recife: Universidade Federal do Recife, 139p. (tese de concurso público para a cadeira de História e Filosofia da Educação de Belas Artes de Pernambuco).
  • 1961: A propósito de uma administração. Recife: Imprensa Universitária, 90p.
  • 1963: Alfabetização e conscientização. Porto Alegre: Editora Emma.
  • 1967: Educação como prática da liberdade. Introdução de Francisco C. Weffort. Rio de Janeiro: Paz e Terra, (19 ed., 1989, 150 p).
  • 1968: Educação e conscientização: extencionismo rural. Cuernavaca (México): CIDOC/Cuaderno 25, 320 p.
  • 1970: Pedagogia do oprimido. New York: Herder & Herder, 1970 (manuscrito em português de 1968). Publicado com Prefácio de Ernani Maria Fiori. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 218 p., (23 ed., 1994, 184 p.).
  • 1971: Extensão ou comunicação?. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971, 93 p.
  • 1976: Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Tradução de Claudia Schilling, Buenos Aires: Tierra Nueva, 1975. Publicado também no Rio de Janeiro, Paz e terra, 149 p. (8. ed., 1987).
  • 1977: Cartas à Guiné-Bissau. Registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, (4 ed., 1984), 173 p.
  • 1978: Os cristãos e a libertação dos oprimidos. Lisboa: Edições BASE, 49 p.
  • 1979: Consciência e história: a práxis educativa de Paulo Freire (antologia). São Paulo: Loyola.
  • 1979: Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 112 p.
  • 1979: Multinacionais e trabalhadores no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 226 p.
  • 1980: Quatro cartas aos animadores e às animadoras culturais. República de São Tomé e Príncipe: Ministério da Educação e Desportos, São Tomé.
  • 1980: Conscientização: teoria e prática da libertação; uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 102 p.
  • 1981: Ideologia e educação: reflexões sobre a não neutralidade da educação. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • 1982: A importância do ato de ler (em três artigos que se completam). Prefácio de Antonio Joaquim Severino. São Paulo: Cortez/ Autores Associados. (26. ed., 1991). 96 p. (Coleção polêmica do nosso tempo).
  • 1982: Sobre educação (Diálogos), Vol. 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra ( 3 ed., 1984), 132 p. (Educação e comunicação, 9).
  • 1982: Educação popular. Lins (SP): Todos Irmãos. 38 p.
  • 1983: Cultura popular, educação popular.
  • 1985: Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 3ª Edição
  • 1986: Fazer escola conhecendo a vida. Papirus.
  • 1987: Aprendendo com a própria história (com Sérgio Guimarães). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 168 p. (Educação e Comunicação; v.19).
  • 1988: Na escola que fazemos: uma reflexão interdisciplinar em educação popular. Vozes.
  • 1989: Que fazer: teoria e prática em educação popular. Vozes.
  • 1990: Conversando com educadores. Montevideo (Uruguai): Roca Viva.
  • 1990: Alfabetização - Leitura do mundo, leitura da palavra (com Donaldo Macedo). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 272 p.
  • 1991: A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 144 p.
  • 1991: A Importância do Ato de Ler - em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez Editora & Autores Associados, 1991. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo, v 4)- 80 p.
  • 1992: Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra (3 ed. 1994), 245 p.
  • 1993: Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d'água. (6 ed. 1995), 127 p.
  • 1993: Política e educação: ensaios. São Paulo: Cortez, 119 p.
  • 1994: Cartas a Cristina. Prefácio de Adriano S. Nogueira; notas de Ana Maria Araújo Freire. São Paulo: Paz e Terra. 334 p.
  • 1994: Essa escola chamada vida. São Paulo: Ática, 1985; 8ª edição.
  • 1995: À sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d'água, 120 p.
  • 1995: Pedagogia: diálogo e conflito. São Paulo: Editora Cortez.
  • 1996: Medo e ousadia. Prefácio de Ana Maria Saul; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987; 5ª Edição.
  • 1996: Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • 2000: Pedagogia da indignação – cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 134 p.
  • 2003: A África ensinando a gente (com Sérgio Guimarães). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 248 p.