sexta-feira, 6 de outubro de 2017

PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS NO ÂMBITO DAS POLÍCIAS MILITARES

Não são poucas as punições de policias militares em processos administrativos, sobretudo na PMBA, em que não é levado em conta a versão do acusado.

Quando resta apenas a palavra da acusação contra a palavra do ACUSADO, o que fazer?



     Reza a Constituição Federal de 1988, no art. 5°, inciso LV, que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
     Sobre a instrução dos processos disciplinares, consagra o Estatuto dos Policiais Militares do Estado da Bahia, Lei 7.990/2001, no seu art. 71: “A instrução respeitará o princípio do contraditório, assegurando-se ao acusado ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes”.
     Para melhor entendimento, faz-se necessário discorrer que o princípio do contraditório significa que o acusado tem o direito de resposta contra a acusação que lhe foi feita, devendo utilizar todos os meios de defesa admitidos em direito, inclusive dizer que a acusação é falsa. O contraditório é, portanto, a opinião contrária daquela manifestada pela parte acusatória.
     O que se vê em diversos autos, são sempre duas versões totalmente distintas, uma da parte que acusa e a outra do acusado que sempre nega a versão da acusação. Produzindo, dessa forma, uma dúvida acerca de quem está falando a verdade. Vale salientar que há casos em que nenhuma das testemunhas ouvidas confirmam a versão da acusação e ainda assim o acusado é condenado baseado somente na versão acusatória
     Sobre o princípio In dubio pro reo, o artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, expressa que será absolvido o réu quando: “não existir prova suficiente para a condenação”. Portanto, só através da certeza que se pode levar o réu à condenação. Sem esse requisito, prevalece o réu.
     Fundamentando-se nos dispositivos constitucionais, o princípio da presunção de inocência deve ser aplicado perfeitamente ao Direito Administrativo. Pois, o contraditório pressupõe o respeito ao princípio do devido processo legal, no qual se encontra inserido o princípio da inocência, princípios estes que o processo administrativo deve observar, já que a Constituição o igualou ao processo judicial, conforme já citado no art. 5º, inciso LV.
O In dubio pro reo deve ser inserido perfeitamente no âmbito administrativo militar. Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, dá a seguinte lição:

Na dúvida, quando da realização de um julgamento administrativo onde o conjunto probatório é deficiente, não se aplica o princípio in dubio pro administração, mas o princípio in dubio pro reo, previsto na Constituição Federal e na Convenção Americana de Direitos Humanos, que foi subscrita pelo Brasil. A ausência de provas seguras ou de elementos que possam demonstrar que o acusado tenha violado o disposto no regulamento disciplinar leva à sua absolvição com fundamento no princípio da inocência. (...) A autoridade administrativa militar (federal ou estadual) deve atuar com imparcialidade nos processos sujeitos aos seus julgamentos, e quando esta verificar que o conjunto probatório estampado é deficiente deve entender pela absolvição do militar. A precariedade do conjunto probatório deve levar à absolvição do acusado para se evitar que este passe por humilhações e constrangimentos de difícil reparação, que poderão deixar suas marcas mesmo quando superados, podendo refletir nos serviços prestados pelo militar à população, que é consumidor final do produto de segurança pública e segurança nacional”.


     Não resta dúvidas que quando houver duas versões que se opõem, e nada mais nos autos reforça a acusação, há uma impossibilidade de formar o juízo de certeza acerca da materialidade e autoria dos fatos, sendo a absolvição do acusado medida imperativa, em reconhecimento e aplicação ao festejado princípio in dubio pro reo. Por tais considerações, tendo que por mais verdadeiras que possam parecer as palavras de quem acusa, devem ser recebidas com reservas quando outros elementos probatórios se apresentam em contraponto, no caso a versão do acusado. É preciso saber que não basta a plena convicção de quem julga para a prolação da sentença condenatória, sendo necessária e indispensável a segurança jurídica decorrente da prova produzida sob o crivo do contraditório. Assim, existindo dúvida, só pode ser resolvida em favor do réu, pelo que merece provimento sempre para o arquivamento dos processos.

Wagner Coelho
Aluno do Curso Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia

Filme da obra “O PROCESSO”, de Franz Kafka.


Este trabalho faz uma breve análise do filme inspirado na obra “O Processo" de Franz Kafka, abordando os princípios violados à luz do ordenamento jurídico brasileiro.




O enredo do filme se inicia quando, do nada, Josef K tem seu quarto invadido às 6h15min por dois agentes, sendo detido sem cometer crime algum. Logo solicitou informações aos policiais e ao inspetor, porém sem êxito já que nem eles sabiam o motivo da detenção de Josef K. Durante todo o filme vimos o desenrolar de uma história triste e angustiante com um completo desrespeito a todos os princípios que possam garantir os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Para se ter uma noção do que o personagem principal do filme passou, Josef K teve que se defender de um processo do qual ele nem conhecia.
O que se vê no filme “O Processo”, são abusos e atropelos de diversos princípios, a saber o princípio do devido processo legal; da dignidade da pessoa humana; da legalidade; do contraditório; da ampla defesa; da publicidade; da duração razoável do processo; da igualdade processual (paridade de armas); da eficiência e do princípio da boa-fé processual.
No filme, Josef K foi julgado sem ter nenhuma noção do porquê estava sendo processado e ficou impossibilitado de se defender diante da arbitrária justiça. O personagem participou de apenas uma audiência e o que causa revolta em quem assiste o filme é o fato dele nunca ter acesso aos autos do processo. Nem seu próprio advogado lhe deu informações precisas sobre os autos do processo, fornecendo-lhe apenas informações imprecisas e confusas, parecia até que o advogado tinha ligações com o juiz e alguns funcionários da justiça, visando tonar mais difícil sua defesa.
Vejamos o que trata o Código de Processo Civil, no seu Art. 125: “O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I - assegurar às partes igualdade de tratamento; II - velar pela rápida solução do litígio; III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da Justiça; IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes. É clara e evidente a violação de todos esses princípios no processo narrado no filme.
Merece destaque o princípio do devido processo legal “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, que está previsto na Constituição Federal do Brasil de 1988, no artigo 5º inciso LIV, também o princípio do contraditório e o princípio da ampla defesaaos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” no inciso LV do mesmo artigo. O devido processo legal também está celebrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em seu artigo XI nº 1, vejamos:
"Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa".
Josef K ao se vê diante da acusação deveria ter garantido todos os direitos descritos até aqui. O fato de alguém ser acusado em um processo não o torna um culpado em potencial. A falta do Princípio da Publicidade contribuiu bastante para o julgamento arbitrário de Josef K, pois se soubesse de todos os atos processuais ele mesmo contribuiria na elaboração de sua defesa, porém esse princípio foi violado, pois de acordo com a trama do filme, o expediente do processo foi desfeito por completo, as atas sumiram do inquérito, tudo foi destruído, sumiu também todo o processo e até a ata de sua absolvição, no entanto apenas a acusação não sumiu.
Em uma cena de Joseph K com outro personagem, afirma do absurdo em que todos concordam que a acusação mais insignificante não fica anulada sem mais nem menos, senão que a justiça, uma vez que formulou a acusação, está firmemente convencida da culpabilidade do acusado e em que dificilmente se pode alterar tal convicção. Portanto, a partir do momento em que o personagem principal foi acusado, já foi considerado culpado.
A ampla defesa e o contraditório são fundamentos do devido processo legal. Se Josef K tivesse tido direito à ampla defesa, seria assegurado todas as condições para levar ao processo todos os elementos necessários para esclarecer a verdade real. E o contraditório seria o direito de Josef K se opor a tudo que lhe foi dito, bem como levar a melhor versão que lhe interessasse ou até uma interpretação jurídica diversa daquela feita pela acusação.
Portanto, não existiu a presunção de inocência para o personagem principal, foi considerado culpado desde o início do filme e uma absolvição real com todas as violações aos princípios constitucionais foi praticamente impossível, culminando com sua morte.
Voltemos o início do filme quando o oficial foi comunicar a detenção de Josef K impedindo-lhe de sair do seu quarto. O personagem indagou o porquê de estar sendo detido. Tendo como resposta a afirmação que não caberia ao oficial explicar o motivo, que deveria voltar para o seu quarto e esperar que já existia um inquérito de modo que ficaria sabendo de tudo no seu devido tempo.
O que se vê acima foi mais uma violação contra o personagem, pois à luz do Direito Brasileiro uma situação dessa seria uma grave quebra de princípios. Reza o artigo 282 do Código de Processo Penal Brasileiro: “Á exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão em virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, e mediante ordem escrita de autoridade competente”.
Também coaduna com esse princípio a Carta Magna de 1988, quando diz no Artigo 5º, inciso LXIII : “O preso será informado de seus direitos [...]”. Sendo assim, Josef K deveria no ato da detenção saber do que estava sendo acusado e qual autoridade judicial tinha declarado sua detenção.
Analisando as cenas do filme de forma a encontrar violações aos princípios, percebemos que Josef K não teve o direito de saber quem eram os homens que realizaram sua prisão, dessa forma mais um texto constitucional foi violado, pois preconiza nossa Constituição Federal de 88, no Artigo 5º, LXIV: “o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial”.
Outro fato que merece destaque foi a invasão feita na casa de Josef K, mais um atropelo aos seus direitos, rege o Artigo 5º, XI, da Carta Magna: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém podendo entrar nela sem consentimento do morador ”. Não se omite o Código de Processo Penal em tratar da inviolabilidade do domicílio: “a prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio”, rege o Artigo 283.  
O personagem em uma cena, roga pelo direito de falar com um defensor técnico já que se encontrava detido por homens que sequer se identificaram e falaram o motivo de sua detenção. Esse é um direito declarado na nossa Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, LXII: “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada”. Sendo nesses casos, o advogado uma peça fundamental para a administração da justiça, ocupando uma essencial função social de defesa do cidadão contra as arbitrariedades da justiça.
No filme, Josef K comenta que os advogados eram proibidos de presenciarem os interrogatórios. Fato notadamente violador de outro direito de todo acusado, pois o Código de Processo Penal Brasileiro, descreve que: “O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado”.
Não podemos deixar de citar a presença de um juízo no filme, que era notadamente um juiz de exceção, algo absolutamente proibido em nossa Constituição, assim diz o Art. 5º, XXXVII: “não haverá juízo ou tribunal de exceção; e o Art. 5º, LIII:ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
Em nossa Carta Magna está escrito no Art. 93, inciso IX, que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. Coisa que não aconteceu no filme com o personagem Josef K, sua sentença foi prolatada ferindo gravemente esses princípios.
Diante do que foi assistido no filme e dos princípios à luz do ordenamento jurídico brasileiro, pudemos constatar que vários direitos foram violados, dos quais merecem destaque os princípios da ampla defesa e do contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência e da publicidade, todos esses princípios são garantias formais que foram suprimidas pelo processo sofrido pelo personagem Josef K.
Cabe a cada um de nós fazer uma reflexão acerca da manutenção dos princípios dos quais todo cidadão deve se valer e de como ainda estamos distantes de uma justiça ideal. A história tem vários exemplos de Estados Autoritários que mataram milhões de “Josef K”, sem que tivessem o mínimo de direitos garantidos para suas defesas. A tragédia sofrida pelo personagem do filme é transmitida para o telespectador e enche sua alma com uma tristeza e revolta que produz um único sentimento, o de lutar para alcançarmos um Estado Democrático de Direito num nível de respeito à dignidade da pessoa humana jamais visto para que jamais alguém passe pelo que Josef K passou. Que iniciemos nossa luta a parir de agora.
Operadores da justiça de todo o mundo, uni-vos!

Wagner Coelho
Aluno do Curso Bacharel em Direito pela UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA