O
enredo do filme se inicia quando, do nada, Josef K tem seu quarto invadido às
6h15min por dois agentes, sendo detido sem cometer crime algum. Logo solicitou informações
aos policiais e ao inspetor, porém sem êxito já que nem eles sabiam o motivo da
detenção de Josef K. Durante todo o filme vimos o desenrolar de uma história
triste e angustiante com um completo desrespeito a todos os princípios que possam
garantir os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Para se ter
uma noção do que o personagem principal do filme passou, Josef K teve que se
defender de um processo do qual ele nem conhecia.
O
que se vê no filme “O Processo”, são abusos e atropelos de diversos princípios,
a saber o princípio do devido processo legal; da dignidade da pessoa humana; da
legalidade; do contraditório; da ampla defesa; da publicidade; da duração
razoável do processo; da igualdade processual (paridade de armas); da
eficiência e do princípio da boa-fé processual.
No
filme, Josef K foi julgado sem ter nenhuma noção do porquê estava sendo
processado e ficou impossibilitado de se defender diante da arbitrária justiça.
O personagem participou de apenas uma audiência e o que causa revolta em quem
assiste o filme é o fato dele nunca ter acesso aos autos do processo. Nem seu
próprio advogado lhe deu informações precisas sobre os autos do processo,
fornecendo-lhe apenas informações imprecisas e confusas, parecia até que o
advogado tinha ligações com o juiz e alguns funcionários da justiça, visando
tonar mais difícil sua defesa.
Vejamos
o que trata o Código de Processo Civil, no seu Art. 125: “O juiz dirigirá
o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: I -
assegurar às partes igualdade de tratamento; II - velar pela rápida
solução do litígio; III - prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à
dignidade da Justiça; IV - tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.
É clara e evidente a violação de todos esses princípios no processo narrado no
filme.
Merece
destaque o princípio do devido processo
legal “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem
o devido processo legal”, que está previsto na Constituição Federal
do Brasil de 1988, no artigo 5º inciso
LIV, também o princípio do
contraditório e o princípio da ampla defesa “aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e
ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” no inciso LV
do mesmo artigo. O devido processo legal também está celebrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem,
em seu artigo XI nº 1, vejamos:
"Todo homem acusado de um ato
delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade
tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe
tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa".
Josef
K ao se vê diante da acusação deveria ter garantido todos os direitos descritos
até aqui. O fato de alguém ser acusado em um processo não o torna um culpado em
potencial. A falta do Princípio da
Publicidade contribuiu bastante para o julgamento arbitrário de Josef K,
pois se soubesse de todos os atos processuais ele mesmo contribuiria na
elaboração de sua defesa, porém esse princípio foi violado, pois de acordo com
a trama do filme, o expediente do processo foi desfeito por completo, as atas sumiram
do inquérito, tudo foi destruído, sumiu também todo o processo e até a ata de
sua absolvição, no entanto apenas a acusação não sumiu.
Em
uma cena de Joseph K com outro personagem, afirma do absurdo em que todos concordam
que a acusação mais insignificante não fica anulada sem mais nem menos, senão
que a justiça, uma vez que formulou a acusação, está firmemente convencida da
culpabilidade do acusado e em que dificilmente se pode alterar tal convicção.
Portanto, a partir do momento em que o personagem principal foi acusado, já foi
considerado culpado.
A
ampla defesa e o contraditório são fundamentos do devido processo legal. Se
Josef K tivesse tido direito à ampla defesa, seria assegurado todas as
condições para levar ao processo todos os elementos necessários para esclarecer
a verdade real. E o contraditório seria o direito de Josef K se opor a tudo que
lhe foi dito, bem como levar a melhor versão que lhe interessasse ou até uma
interpretação jurídica diversa daquela feita pela acusação.
Portanto,
não existiu a presunção de inocência
para o personagem principal, foi considerado culpado desde o início do filme e
uma absolvição real com todas as violações aos princípios constitucionais foi
praticamente impossível, culminando com sua morte.
Voltemos
o início do filme quando o oficial foi comunicar a detenção de Josef K impedindo-lhe
de sair do seu quarto. O personagem indagou o porquê de estar sendo detido. Tendo
como resposta a afirmação que não caberia ao oficial explicar o motivo, que
deveria voltar para o seu quarto e esperar que já existia um inquérito de modo
que ficaria sabendo de tudo no seu devido tempo.
O
que se vê acima foi mais uma violação contra o personagem, pois à luz do
Direito Brasileiro uma situação dessa seria uma grave quebra de princípios. Reza
o artigo 282 do Código de Processo Penal Brasileiro: “Á exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão em
virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, e mediante ordem escrita
de autoridade competente”.
Também
coaduna com esse princípio a Carta Magna de 1988, quando diz no Artigo 5º,
inciso LXIII : “O preso será informado de
seus direitos [...]”. Sendo assim, Josef K deveria no ato da detenção saber
do que estava sendo acusado e qual autoridade judicial tinha declarado sua detenção.
Analisando
as cenas do filme de forma a encontrar violações aos princípios, percebemos que
Josef K não teve o direito de saber quem eram os homens que realizaram sua
prisão, dessa forma mais um texto constitucional foi violado, pois preconiza
nossa Constituição Federal de 88, no Artigo 5º, LXIV: “o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou
por seu interrogatório policial”.
Outro
fato que merece destaque foi a invasão feita na casa de Josef K, mais um
atropelo aos seus direitos, rege o Artigo 5º, XI, da Carta Magna: “a casa é asilo inviolável do indivíduo,
ninguém podendo entrar nela sem consentimento do morador ”. Não se omite o
Código de Processo Penal em tratar da inviolabilidade do domicílio: “a prisão poderá ser efetuada em qualquer dia
e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do
domicílio”, rege o Artigo 283.
O
personagem em uma cena, roga pelo direito de falar com um defensor técnico já
que se encontrava detido por homens que sequer se identificaram e falaram o
motivo de sua detenção. Esse é um direito declarado na nossa Constituição
Federal de 1988, no artigo 5º, LXII: “a
prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados
imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele
indicada”. Sendo nesses casos, o advogado uma peça fundamental para a
administração da justiça, ocupando uma essencial função social de defesa do
cidadão contra as arbitrariedades da justiça.
No
filme, Josef K comenta que os advogados eram proibidos de presenciarem os
interrogatórios. Fato notadamente violador de outro direito de todo acusado,
pois o Código de Processo Penal Brasileiro, descreve que: “O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do
processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor,
constituído ou nomeado”.
Não
podemos deixar de citar a presença de um juízo no filme, que era notadamente um
juiz de exceção, algo absolutamente proibido em nossa Constituição, assim diz o
Art. 5º, XXXVII: “não haverá juízo ou tribunal de exceção”; e o Art. 5º, LIII: “ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
Em
nossa Carta Magna está escrito no Art. 93, inciso IX, que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. Coisa que não
aconteceu no filme com o personagem Josef K, sua sentença foi prolatada ferindo
gravemente esses princípios.
Diante
do que foi assistido no filme e dos princípios à luz do ordenamento jurídico
brasileiro, pudemos constatar que vários direitos foram violados, dos quais
merecem destaque os princípios da ampla
defesa e do contraditório, do devido processo legal, da presunção de inocência
e da publicidade, todos esses princípios são garantias formais que foram suprimidas
pelo processo sofrido pelo personagem Josef K.
Cabe
a cada um de nós fazer uma reflexão acerca da manutenção dos princípios dos
quais todo cidadão deve se valer e de como ainda estamos distantes de uma
justiça ideal. A história tem vários exemplos de Estados Autoritários que
mataram milhões de “Josef K”, sem que tivessem o mínimo de direitos garantidos
para suas defesas. A tragédia sofrida pelo personagem do filme é transmitida
para o telespectador e enche sua alma com uma tristeza e revolta que produz um
único sentimento, o de lutar para alcançarmos um Estado Democrático de Direito
num nível de respeito à dignidade da pessoa humana jamais visto para que jamais
alguém passe pelo que Josef K passou. Que iniciemos nossa luta a parir de
agora.
Operadores
da justiça de todo o mundo, uni-vos!
Wagner Coelho
Aluno do Curso Bacharel em Direito pela UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA