
Wagner Maia Coelho
Graduando
em Direito pela Universidade do Estado da Bahia e Policial Militar do Estado da Bahia.
Aborda
as políticas do Estado no processo de rivalização de dois grupos na sociedade brasileira.
Esse processo promove um alto grau de antagonismo entre esses segmentos que
possuem mais afinidades que diferenças, pois a ambos são negados pelo próprio
estado direitos inalienáveis e seus integrantes são oriundos de camadas pobres
da sociedade, contudo são levados a um enfrentamento constante e são tomados, às
vezes, por sentimentos de ódio. Esses dois grupos devem se perceber nesse
processo de alienação e promover uma resistência à essa forma planejada de
manipulação.
Esse
antagonismo simboliza a vitória de um grupo pequeno, detentor da maior parte da
riqueza da nação, que sempre possuiu o poder sobre governos que serviram
historicamente a seus próprios interesses. Portanto, o fim desse processo de rivalização
jamais partirá do Estado com políticas públicas, pois este serve a uma minoria
e precisa manter o controle do país, o fim se dará quando as massas e os
agentes de segurança pública, sobretudo os policiais militares, se enxergarem
não como inimigos, mas como moradores da mesma senzala na qual se encontra
também os integrantes dos movimentos sociais.
Palavras-Chave
Movimentos
sociais; Policiais militares; Governo; Rivalidade; Políticas públicas;
Antagonismo; Manipulação.
An essay on the rivalry process of two groups in Brazil: Military Police vs. Social Movements
Abstract
It addresses the policies of the State in
the process of rivaling two groups in Brazilian society. This process promotes
a high degree of antagonism between these segments that have more affinities
than differences, since both are denied by the state itself inalienable rights
and its members come from poor sections of society, yet are brought into a
constant confrontation and are taken, sometimes through feelings of hatred.
These two groups must realize themselves in this process of alienation and
promote resistance to this planned form of manipulation. This antagonism
symbolizes the victory of a small group, which holds the greater part of the
nation's wealth, which has always possessed power over governments that
historically served their own interests. Therefore, the end of this process of
rivalry will never leave the State with public policies, since it serves a
minority and needs to maintain control of the country, the end will be when the
masses and the agents of public security, especially the military police, if to
see not as enemies but as residents of the same slave quarters in which the
members of social movements are also found.
Keywords
Social movements; Military police; Government; Rivalry; Public policy;
Antagonism; Manipulation.
INTRODUÇÃO
De acordo com o artigo 144 da Constituição Federal
de 1988, “a segurança pública, dever do
Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, e compete “às polícias militares a polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública”.
Quando se trata de manutenção da ordem pública a
responsabilidade também é da polícia militar, que é um órgão da administração
pública direta do estado, com regime próprio, estatutário, considerada força
auxiliar e reserva do Exército, portanto, MILITAR. Na CF/88, reza que a lei
estadual irá disciplinar a organização e o funcionamento da polícia militar de
maneira a garantir a eficiência de suas atividades, portanto, a PM é
subordinada ao Governador do Estado.
Até
aí está tubo bem, o problema se inicia quando os governos estaduais estruturam
forças policiais não para servir à sociedade, mas aos interesses das
oligarquias políticas que mandam e desmandam nos estados, permitindo uma enorme ingerência do poder econômico nas
decisões políticas,
Portugal (2012).
O
desvio de finalidade da polícia militar é evidente nos dias atuais, a dura
repressão contra os movimentos sociais tem sido algo comum no Brasil, contudo,
é preciso saber quem dá a ordem para o policial reprimir os manifestantes. Essa
ordem não parte apenas do comandante do grupamento ou do comandante do
batalhão, pasmem! Parte do governador do estado, aquele que foi eleito
democraticamente para defender os interesses do povo, porém o chefe do
executivo estadual usa a força policial especializada com todos os recursos a
ela inerente, como bombas de efeito moral, cassetetes, balas de borracha, cães,
gás, tanques com jatos d’água etc, para reprimir manifestações de professores,
estudantes, sem-terra, sem-teto e demais categorias de profissionais ou da
sociedade civil organizada.
Seja
qual for o objetivo da manifestação, por mais que seja legítima e justa a
causa, não tardará para que a “ordem” seja dada e a força policial seja
desviada da sua missão para reprimir os manifestantes.
Muitos perguntam porque o policial
não se recusa a cumprir a ordem. A resposta é simples, a polícia militar por
ser força auxiliar e reserva do Exército está subordinada ao Código Penal
Militar, Lei nº 1.001 de 21 de
outubro de 1969 e a estatutos estaduais com regulamentos disciplinares
rígidos que impõem aos policiais determinadas condutas que,
se descumpridas, ensejarão no cometimento de crimes militares e transgressões
disciplinares, podendo causar a prisão e até a demissão do policial que se
negar a cumprir a determinação de, por exemplo, desobstruir uma via ocupada por
estudantes ou retirar moradores de uma propriedade rural ou urbana durante o
cumprimento de reintegração de posse.
“Estamos no mundo do regulamento,
estamos no mundo da disciplina,” resume Foucault (2004a,
p. 348). Nesse mundo, a disciplina é mais rígida para o policial do que para o
cidadão comum. Ao desobedecer uma ordem legal o policial militar passa a
cometer crimes militares contra a autoridade e disciplina militar, tais como:
motim, aliciação para motim, incitamento, insubordinação, abandono de posto e
descumprimento de missão, todos tipificados no CPM. Além de cometer esses
crimes também irá responder administrativamente, podendo ser considerado
indigno para continuar na corporação e sua demissão é inevitável.
A
atuação da polícia militar na repressão das manifestações, embora seja às vezes
imoral e ilegítima, é legal com base no estrito cumprimento do dever legal. De acordo com Juarez Cirino dos Santos, “o estrito cumprimento de dever legal compreende
os deveres de intervenção do funcionário na esfera privada para assegurar o cumprimento
da lei ou de ordens de superiores da administração pública, que podem
determinar a realização justificada de tipos legais, como a coação, privação de
liberdade, violação de domicílio, lesão corporal etc.”
PRIMEIRO
PONTO DE REFLEXÃO
Basta
o policial militar agir com profissionalismo, tão
somente. Então, por que muitos policiais acabam
levando para o lado pessoal? Por que passam a sentir uma aversão aos
integrantes dos movimentos sociais, sobretudo às suas lideranças? Mais adiante
entenderemos.
MOVIMENTOS SOCIAIS
Agora
vamos falar dos movimentos sociais mais atuantes no Brasil, promovidos por
sindicatos, associações, ONG´s, enfim, movimentos organizados. As pautas desses
movimentos sempre são a busca por direitos e garantias como também, às vezes, a
luta é pela não retirada de algo que já foi conquistado a custo de muita dor,
suor, lágrimas, prisão e sangue.
Na
maioria das vezes suas reivindicações são legítimas e a omissão do estado em
resolver esses problemas acaba forçando os integrantes desses movimentos a
aumentarem o tom do discurso, chegando ao inevitável que é o bloqueio de estradas
e rodovias, ocupação de prédios públicos e de propriedades na zona rural e na
cidade. Quando partem para essas medidas é porque, em via de regra, o estado se
mostrou totalmente alheio e insensível aos problemas desses movimentos.
CHEFES DOS PODER EXECUTIVO
Ao
fazer uma análise do perfil dos chefes do poder executivo municipal, estadual e
federal – são esses os responsáveis pelas negociações com os movimentos, e do
perfil das pessoas físicas e jurídicas que financiam a maior parte de suas
campanhas, chega-se à conclusão que, de fato, aqueles não representam o povo e quando
passam a ocupar seus cargos políticos os interesses destes que detém o poder
econômico, prevalecem sobre o interesse da massa de injustiçados.
PODER JUDICIÁRIO
Por
que não falar do poder judiciário? Esse, cedo ou tarde, expede as ordens de
reintegração de posse, determinando a polícia militar a usar a força para retirar
das escolas e universidades ocupadas os estudantes, a desocupar e restituir terrenos, prédios e propriedades
rurais que há tempos deixaram de cumprir sua função social como preceitua a CF/88,
art. 5º, inciso XXIII, aos donos do poder econômico.
SEGUNDO
PONTO DE REFLEXÃO
A mesma pergunta que foi feita lá atrás aos
policiais militares será feita dessa vez aos integrantes desses
movimentos: Ora! Se os policiais militares estão cumprindo determinação do
chefe do poder executivo e do poder judiciário, por que na maioria das vezes o
discurso de ódio é direcionado aos policiais e não aos juízes, prefeitos,
governadores e ao presidente? Por que passam a sentir uma aversão aos
integrantes da polícia militar, sobretudo àqueles que estão na ponta da lança
que apenas cumprem ordens sob pena de serem demitidos e presos se as descumprir?
Entenderemos
isso também mais adiante.
PONTO DE COLISÃO DAS DUAS FORÇAS
Conforme
prometido, será feita uma análise na qual procuraremos entender como se
intensifica esse sentimento de raiva entre integrantes de movimentos sociais e
policiais militares. Para entendermos melhor, buscaremos exemplos práticos que
podem gerar os conflitos. Imagine um movimento estudantil, apoiado pelos
professores, que passa a ocupar todo um campus de uma Universidade Pública Estadual,
após o governador do estado enviar uma proposta de lei à Assembleia Legislativa,
na qual pretende retirar verbas da educação pública superior, que se aprovada promoverá
um sucateamento da universidade, provocando um corte drástico nos investimentos
para pesquisas científicas e bolsas estudantis, nas obras de infraestrutura,
pagamento de serviços de limpeza, portaria e vigilância, falta de recursos para
pagamento de água, luz e até tinta para impressora.
Insensível
a essa causa o governo estadual, após inúmeras tentativas não senta com as
lideranças para negociar um possível acordo. Com isso, a ocupação perdura por
dias. Para surpresa dos manifestantes chega um oficial de justiça acompanhado
por um grupamento de policiais militares, na porta do Campus, com um mandado
judicial para cumprir a reintegração de posse do imóvel público, nesse caso quem
determinou a retirada dos alunos foi o juiz, representante do poder judiciário.
Há
casos em que a PM vai para a desocupação sem ordem judicial, mas essa
iniciativa não parte dos policiais, mas do próprio governador, pois ele é o
chefe das polícias estaduais, uma ordem desse tipo dada por ele ao comandante
geral da polícia militar, gera uma cadeia de comandos e ordens que chega até os
policiais de baixa patente forçando todos a cumprirem a determinação. E se
alguém descumprir acontece o que já foi falado em linhas anteriores,
perseguição, cadeia e demissão. O regime ao qual está exposto policial é
ditatorial e draconiano, não perdoa os atos de desobediência praticados por
policiais, que na sua grande maioria são pobres, de famílias desabastadas e que
encontram na profissão os meios necessários para o sustento das suas famílias.
Voltemos
ao caso do movimento estudantil, seja lá quem dê a ordem para a desocupação - o
chefe do poder executivo ou o do judiciário, os policiais deverão cumprir
enquanto aqueles que determinaram estarão no conforto dos seus gabinetes, no
ar-condicionado, sendo servidos por vários assessores e acompanhando as
notícias da desocupação pelos meios de comunicação.
Lá
no campo de batalha estarão os manifestantes resistindo à ordem de desocupação,
dispostos a sofrer, certamente exaustos, com a luz e a água do campus cortadas,
sem apoio da sociedade pois a grande mídia a mando do poder executivo estadual intensificou
matérias jornalísticas atacando os manifestantes.
Vale
destacar que os governos estaduais destinam uma parte dos seus recursos para
gastar com marketing e propaganda e os meios de comunicação em massa fazem
contratos vantajosos, por isso, entre está do lado de manifestantes ou do
governador essas empresas de comunicação escolhem aquele que paga mais, e os
revolucionários não têm com que pagar senão com suas ideologias.
Do
lado oposto aos estudantes estarão policiais militares, forçados a cumprir
determinação, dispostos a cumprir sua missão o mais rápido possível e retornar
para suas casas. E ainda que não seja cometido abuso de autoridade ou violência
por parte dos policiais, ainda que ajam estritamente dentro da legalidade e do
que preceitua as normas para esse tipo de atuação, por se tratar de uma
atividade em que é necessário o contato físico e os ânimos dos manifestantes
estão exaltados, as imagens chocam pela violência estatal a qual estarão
submetidos os jovens.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O
resultado todos já sabem, a ordem será cumprida, os manifestantes farão de tudo
para resistir, mas não conseguirão frente à força do estado. Inevitavelmente
surgirá uma revolta por parte dos manifestantes pela ação policial, não é por
menos, pois levarão tiros de bala de borracha, gás de efeito moral, e outros meios de uso da força, todos permitidos
pela legislação brasileira. O estado quando quer sabe usar o poder que tem para
fazer uso da violência e garantir seus interesses.
A
mídia que outrora fazia o jogo do governo e jogava a opinião pública contra os
manifestantes, dessa vez, fará matérias bombásticas demonstrando a “violência
policial” e isentará da culpa o verdadeiro responsável que determinou a
reintegração.
Das
semelhanças que têm os movimentos sociais com os policiais militares, essa é
uma delas, a depender das circunstâncias são sempre os vilões da história. Mais
uma vez a mídia não tratará do descumprimento dos acordos por parte do governo
ou o prejuízo que sofrerá a sociedade com as medidas governamentais.
Esses
conflitos acontecem quase que diariamente por todo o território brasileiro. Em
todos os tipos de reivindicações, dos mais variados, sempre estará os policiais
militares para cumprirem determinações e pôr fim às desobstruções de vias
públicas ou desocupações de propriedades privadas ou públicas.
Como culpar os integrantes dos movimentos sociais por despertarem um sentimento de repugnância contra os policiais?
Como culpar os integrantes dos movimentos sociais por despertarem um sentimento de repugnância contra os policiais?
E
como culpar os policiais militares por despertarem um sentimento de rejeição
pelo lado oposto?
É o próprio governo que coloca de lados opostos esses dois segmentos da sociedade e sempre no final, o poder político tem se sobressaído. No Brasil há um processo organizado, planejado para a marginalização dos movimentos sociais e também a marginalização dos policiais militares, é interessante e extremamente importante para a classe econômica detentora do poder político que esses dois segmentos continuem se engalfinhando e que a sociedade os deteste.
É o próprio governo que coloca de lados opostos esses dois segmentos da sociedade e sempre no final, o poder político tem se sobressaído. No Brasil há um processo organizado, planejado para a marginalização dos movimentos sociais e também a marginalização dos policiais militares, é interessante e extremamente importante para a classe econômica detentora do poder político que esses dois segmentos continuem se engalfinhando e que a sociedade os deteste.
Enquanto
houver essa rivalidade muitos policiais continuarão cometendo abusos de
autoridade durante as ações contra manifestantes e estes alimentarão um
discurso de ódio contra a classe policial militar. Enfim, dois grupos
extremamente explorados mas que estão às cegas nesse jogo político
governamental implantado no Brasil.
Policiais
Militares e Integrantes de Movimentos Sociais, vós sois a massa, uni-vos!
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da
República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro
Gráfico, 1988. 292 p.
Código
Penal Militar. decreto lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del1001.htm.
SANTOS,
Juarez Cirino dos. A moderna teoria
do fato punível, p. 187
PORTUGAL,
Adriana C.; FINANCIAMENTO PÚBLICO OU
PRIVADO PARA AS CAMPANHAS ELEITORAIS. Revista
Brasil, Economia e Política, 2012.
FOUCAULT, M. Segurança, território, população. Paris:
Gallimard, 2004a.
Dezembro de 2017.