terça-feira, 26 de outubro de 2010

“Serra representa o Brasil submisso aos interesses dos EUA”


por Carta Maior

Em entrevista à Carta Maior, o historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira afirma que o processo eleitoral brasileiro está infectado por uma intensa campanha terrorista e uma guerra psicológica promovido pela direita e por grupos de extrema-direita, como TFP, Opus Dei e núcleos nazistas do Sul do país. Para Moniz Bandeira, projeto representado por José Serra é o “do Brasil submisso às diretrizes dos Estados Unidos, com sua economia privatizada e alienada aos interesses aos estrangeiros”.

CM: Qual a sua avaliação sobre o processo eleitoral brasileiro e sobre a disputa que ocorre agora no segundo turno? Como o sr. caracterizaria os dois projetos em disputa?

Moniz Bandeira: O atual processo eleitoral está infectado por uma intensa campanha terrorista, uma guerra psicológica, promovida não apenas direita, mas pela extrema-direita, como a TFP, OPUS DEI e núcleos nazistas do Sul, e sustentada por interesses estrangeiros, que financiam a campanha contra a política exterior do presidente Lula , pois não querem que o Brasil se projete mais e mais como potência política global. Os dois projetos em disputam são definidos: o Brasil como potência econômica e política global, socialmente justo, militarmente forte, defendido pela candidata do PT, Dilma Roussef; o outro, representado por José Serra candidato do PSDB-DEM, é o do Brasil submisso às diretrizes dos Estados Unidos, com sua economia privatizada e alienada aos interesses aos estrangeiros.

Evidentemente, os Estados Unidos, quaisquer que seja seu governo, não querem que o Brasil se consolide como potência econômica e política global, integrando toda a América do Sul como um espaço geopolítico com maior autonomia internacional.

CM: Falando sobre política externa, o sr. poderia detalhar um pouco mais o que, na sua visão, as duas candidaturas representam?

MB: A mudança dos rumos da política externa, como José Serra e seus mentores diplomáticos pretendem, teria profundas implicações para a estratégia de defesa e segurança nacional. Ela significaria o fim do programa de reaparelhamento e modernização das Forças Armadas, a suspensão definitiva da construção do submarino nuclear e a paralisação do desenvolvimento de tecnologias sensíveis, ora em curso mediante cooperação com a França e a Alemanha, países que se dispuseram a transferir know-how para o Brasil, ao contrário dos Estados Unidos. Essa mudança de rumos, defendida pelos mentores de José Serra em política externa, levaria o Brasil a aceitar a tese de que o conceito de soberania nacional desaparece num mundo globalizado e, com isto, permitir a formação de Estados supostamente indígenas, em regiões da Amazônia, como querem muitas 100 ONGs que lá atuam.

CM: E na América Latina? O Brasil aparece hoje como um fator estimulador e fortalecedor de um processo de integração ainda em curso. Que tipo de ameaça, uma eventual vitória de José Serra representaria para esse processo?

MB: José Serra já se declarou, desde a campanha de 2002, contra o Mercosul, como união aduaneira, e queria sua transformação em uma área de livre comércio, compatível com o projeto da ALCA, que os Estados Unidos tratavam de impor aos países da América do Sul e que o Brasil, apoiado pela Argentina, obstaculizou. Se a ALCA houvesse sido implantada, a situação do Brasil seria desastrosa, como conseqüência da profunda crise econômica e financeira dos Estados Unidos, como aconteceu com o México.

José Serra também criou recentemente problemas, fazendo declarações ofensivas à Argentina, Bolívia e Venezuela, países com os quais o Brasil tem necessariamente de manter muitos boas relações, goste ou não goste de seus governantes. Trata-se do interesse nacional e não de idiossincrasia política.

CM: Na sua avaliação, quais foram as mudanças mais significativas da política externa brasileira, que devem ser preservadas?

MB: O governo do presidente Lula, tendo o embaixador Celso Amorim como chanceler, considerado pela revista Foreign Policy, dos Estados Unidos, como o melhor do mundo, na atualidade, alargou as fronteiras diplomáticas do Brasil. Seus resultados são visíveis em números: sob o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, as exportações do Brasil cresceram apenas 14 bilhões, subindo de 47 bilhões de dólares em 1995 para 61 bilhões em 2002. No governo do presidente Lula, as exportações brasileiras saltaram de 73 bilhões de dólares, em 2003, para 145 bilhões em 2010: dobraram. Aumentaram 72 bilhões , cinco vezes mais, do que no governo de Fernando Henrique Cardoso.

Essas cifras evidenciam o êxito da política externa brasileira, abrindo e diversificando os mercados no exterior. Mas há outro fato que vale ressaltar, para mostrar a projeção internacional que o Brasil. Em dezembro de 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, as reservas brasileiras eram de apenas 38 bilhões de dólares… Sob o governo Lula, as reservas brasileiras saltaram de 49 bilhões de dólares, em 2003, para 280 bilhões de dólares em outubro de 2010. Aumentaram sete vezes mais do que no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Tais números representam uma enorme redução da vulnerabilidade do Brasil.

É bom recordar que, logo após o presidente Fernando Henrique Cardoso inaugurar seu segundo mandato, em apenas seis dias, entre 6 e 12 de janeiro de 1999, o Brasil perdeu mais de 2 bilhões de dólares para os especuladores e investidores, que intensificaram o câmbio de reais por dólares, aproveitando ainda a taxa elevada, e suas reservas caíram mais de 4,8 bilhões s, em apenas dois dias, ou seja, de 13 para 14 de janeiro.

Os capitais, em torno de 500 milhões de dólares por dia, continuaram a fugir ante o medo de que o governo congelasse as contas bancárias e decretasse a moratória. E os bancos estrangeiros cortaram 1/3 dos US$ 60 bilhões em linhas de crédito interbancário a curto prazo, que haviam fornecido ao Brasil desde agosto de 1998. A fim de não mais perder reservas, com a intensa fuga de capitais, não restou ao governo de Fernando Henrique Cardoso alternativa senão abandonar as desvalorizações controladas do real e deixá-lo flutuar, com a implantação do câmbio livre.

CM: O sr. poderia apontar uma diferença que considera fundamental entre os governos Lula e FHC?

MB: Comparar os dois governo ocuparia muito espaço na entrevista. Porém apenas um fato mostra a diferença: o chanceler Celso Amorim esteve nos Estados Unidos inúmeras vezes e nunca tirou os sapatos, ao chegar no aeroporto, para ser vistoriado pelos policiais do serviço de controle. O professor Celso Lafer, chanceler no governo de Fernando Henrique Cardoso, submeteu-se a esse vexame, humilhando-se, degradando sua função de ministro de Estados e o próprio país, o Brasil, que representava. E é este homem que ataca a política exterior do presidente Lula e é um dos mentores de José Serra, cujo governo, aliás, seria muito pior do que o de Fernando Henrique Cardoso.




Wagner Coelho





quinta-feira, 14 de outubro de 2010

1/4 do Brasil não vota, anula ou vota em branco



Por Editorial da revista "A Nova Democracia"

Apesar dos milhões em marketing eleitoreiro,


Apesar do bombardeio ideológico e da chantagem da obrigatoriedade do voto,


Apesar da despolitização, do oportunismo e promessas mentirosas,


O povo disse não às eleições e, como nunca, boicotou ativamente e protestou contra a farsa de democracia promovida pelo Estado burguês latifundiário.

Trinta e quatro milhões, duzentos e nove mil, seiscentos e oitenta e nove pessoas não votaram, anularam o voto ou votaram em branco no pleito para o posto de gerente da semicolônia.

Para tentar camuflar o elevado índice de repúdio à farsa eleitoral, o TSE publica apenas os resultados dos chamados "votos válidos", mas levando em conta os números totais, a soma dos não votantes, votos anulados e votos em branco superou o segundo colocado, José Serra (PSDB), em um milhão, setenta e nove mil, quinhentos e quinze.

E apesar de o monopólio da imprensa e pretensos "analistas políticos" atribuírem os desdobramentos eleitoreiros do pleito a um "bombardeio de intrigas" contra a candidata da chapa governista, ou a um sprint "fenômeno" da eco-ONGueira, o grande fato desse primeiro turno foi o elevado número de abstenções.

Os números das eleições para os postos de gerentes estaduais só confirmam o resultado geral, com destaque para o estado de Rondônia, onde o movimento camponês combativo já há anos denuncia a farsa de democracia e desfralda o caminho da Revolução Agrária, que registrou o número mais alto de abstenções, votos brancos e nulos em um só estado: 38,52% dos possíveis eleitores (415.439 pessoas). No Nordeste, região alvo do bombardeio cerrado de "bolsas" de todo tipo, base da popularidade de Luiz Inácio, registrou-se a maior média de repúdio à farsa eleitoral: aproximadamente 30% dos possíveis eleitores repudiaram a farsa eleitoral.

São dados que certamente encabularão qualquer instituto de pesquisa e estatística e que, certamente, jamais serão tabulados pelo monopólio da imprensa. Inventar dados é possível, propagá-los e tentar vendê-los como verdade também, impossível é negar a realidade. E ela está aí, difícil de ser engolida pelos arautos do "espetáculo da democracia" burguesa.

E sem haver muito o que dizer na ópera bufa do partido único, em que ninguém é diferente e a grande briga é para decidir quem é mais igual ao modelo do operário-padrão predileto do imperialismo e do latifúndio, ainda houve quem exaltasse uma pretensa "renovação dos cargos eletivos". Aludindo à saída de cena das figuras pré-históricas, que durante décadas pulularam nas cadeiras da Câmara e do Senado, dando lugar aos seus filhos, parentes e apaniguados, tencionam fazer parecer que algo mudou com isso. Mas basta que regressemos a 2002, quando com a eleição de Luiz Inácio todo o governo se "renovou", para perguntarmos: o que mudou de fato?

Com o oportunismo no poder, além de não haver mudança alguma na essência do velho Estado, tão burguês-latifundiário e serviçal do imperialismo quanto antes e ainda mais depois, não se contentando com isso, o gerenciamento Luiz Inácio se ocupou em copiar os métodos de seus antecessores e aprimorá-los até onde pôde: vide mensalões, sanguessugas, cuecões, tramoias de todo tipo perpassando a Casa Civil, "reformas" antipovo, programas tampão para engessamento das massas, etc.

E o selo perfeito para o primeiro turno do circo eleitoral foram os mais de um milhão e trezentos mil votos para o deputado Tiririca. Enquanto alguns esbravejavam clamando uma "reforma política" que impeça que Tiriricas arrastem outros de sua legenda, ele é uma grande prova da despolitização, vaziez, imprestabilidade da farsa eleitoral e ao mesmo tempo é o retrato fidedigno do que representa o sistema de governo do velho Estado.



A farsa do "Sonho Americano"

Por Hugo R C Souza

Obama, como Bush e seus outros antecessores na chefia do imperialismo ianque, castiga o mundo com bombas e o proletariado do USA com precarização. A concentração de renda nas mãos da grande burguesia aumenta, enquanto a renda média familiar declina sem parar. Uma reportagem pulicada recentemente no jornal britânico Financial Times informou que a renda de 1% das famílias ianques mais ricas triplicou nos últimos 37 anos. E a explicação vem de um outro número referente ao mesmo período: desde 1973 os salários reais da classe trabalhadora do USA estão estagnados.


E as oligarquias financeiras e industriais pagam bem aos seus capatazes. Afinal, são eles que tornam possível essa acumulação de capital pela via do acirramento da exploração dos trabalhadores. Em 1973, os executivos-chefes de grandes companhias ianques recebiam, em média, remuneração 26 vezes superior à renda média da população do USA. Hoje, a proporção é 300 vezes mais, mesmo após a promessa demagógica de Obama de colocar rédeas nos superpagamentos.

É o jogo jogado no sistema de exploração do homem pelo homem: a burguesia recompensa tanto melhor seus gerentes quanto mais eles arroxam os salários e as condições de trabalho do proletariado a fim de aumentar os lucros dos seus contratantes.

E que arroxo! No último ciclo de expansão da economia ianque, que começou em janeiro de 2002 e terminou em dezembro de 2007 com o estouro da crise financeira, a renda média das famílias do USA ficou US$ 2 mil menor. Neste mesmo período, o 1% mais abastado abocanhou dois terços das riquezas produzidas.


O resultado é que, hoje, mais de 40 milhões de pessoas vivem na pobreza no USA. Há apenas três anos, eram 37,3 milhões. A maioria dos pobres são os mais explorados: latinos e negros. Nada menos do que 36% dos brasileiros que vivem por lá são pobres ou vivem um pouco acima da chamada "linha da pobreza". A maioria dos economistas já dá por certo que a deterioração das condições de vida da classe trabalhadora no USA é algo estrutural, ou seja, imune aos ciclos de expansão ou retração da economia.


RECORDES DE DESEMPREGOS LONGOS

Isso porque a economia capitalista agoniza há décadas em uma crise estrutural de superprodução, em meio à qual as crises de crédito, financeiras, bancárias e que tais vão estourando pelo mundo como sintomas de um sistema moribundo.

Mesmo o corneteado "sonho americano", patranha do imperialismo segundo a qual, na "América", os trabalhadores têm mais chance de melhorar de vida, nunca esteve tão distante da realidade. O autor da reportagem publicada no Financial Times, o jornalista Edward Luce, diz que "hoje, no USA, é menor a chance de passar de um estrato de renda mais baixo para outro mais elevado do que em qualquer outra economia desenvolvida".


O nível do desemprego no USA aumenta mês após mês. O desemprego de longa duração vai batendo sucessivos recordes, o que, pouco a pouco, vai escancarando a farsa da seguridade social ianque. Nada menos que 1,4 milhão de trabalhadores desempregados não recebem o tão festejado seguro-desemprego do USA, simplesmente porque estão desempregados há tempo demais. Mais exatamente há 99 semanas, tempo máximo estipulado pelos chefes de Washington para o recebimento do dito "benefício".

Obama só faz agravar essa situação. Se no plano externo o chefe ianque de turno tornou ainda mais ferozes as ofensivas imperialistas pelo mundo, no plano interno, ele está mantendo os salários baixos e segue minimizando os custos e entraves para as demissões a fim de que os patrões possam despedir à vontade.


Pressionado pelas massas, Obama deu a cara no Dia do Trabalho para dizer que vai gerar emprego reconstruindo 240 mil quilômetros de estradas. "Isso é suficiente para dar a volta ao mundo seis vezes", disse ele. Mas não é suficiente para embromar as classes populares precarizadas do USA. Eles sabem que seu destino não é uma questão de mais ou menos asfalto recapeado, mas sim de maiores ou menores avanços na luta das massas organizadas contra o capital opressor.

"A guerra no Iraque não terminou"

Por Tatiana Merlino

Sete anos e meio após a invasão do Iraque, em 2003, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, anunciou, oficialmente em 31 de agosto, o fim da operação militar no país árabe. A ocupação, que deixou mais de 100 mil mortos e representou um gasto de mais de 3 trilhões de dólares para o país, não acabou, afirma, em entrevista, o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira. “O Iraque continua um país ocupado”, afirma o professor titular aposentado de História da Política Exterior do Brasil na Universidade de Brasília. Cem mil homens já saíram do Iraque, e cerca de 50 mil estadunidenses permanecem por lá.



Apesar de Obama anunciar que, com a retirada, teria cumprido com sua promessa de campanha, segundo o analista, a guerra do Iraque não terminou. “A guerra continua. Os atentados se sucedem quase todos os dias, com dezenas de mortos e feridos. Tropas americanas ainda lá permanecem, a pretexto de treinar as do Iraque”, afirma o cientista político. Para ele, retirando parte das tropas do Iraque, Obama “pretendeu salvar as aparências”.


Luiz Alberto Moniz Bandeira

Caros Amigos- O que o fim da guerra do Iraque representa para a geopolítica mundial? Como está o mundo sete anos depois?

Luiz Alberto Moniz Bandeira- A guerra no Iraque não terminou. Continua. Os atentados se sucedem quase todos os dias, com dezenas de mortos e feridos. Tropas americanas ainda lá permanecem, a pretexto de treinar as do Iraque. A democracia que os Estados Unidos pretenderam implantar é uma farsa. O regime no Iraque é instável. E é difícil governar um país divididos em seitas islâmicas, etnias e tribos.


O senhor acha que os EUA saem vitoriosos ou derrotados do Iraque? Por quê?

O presidente Barack Obama, retirando algumas tropas do Iraque, pretendeu salvar as aparências. Os Estados Unidos saíram derrotados, sim, porque não conseguiram estabelecer paz. O Iraque continua um país ocupado e, se todas as tropas americanas forem retiradas, irá para a órbita do Irã. São dois países governador pelos xiitas e o Iraque, economicamente, está arruinado.


A guerra do Iraque foi justificada pela doutrina da guerra preventiva, iniciada pós 11 de setembro, e por isso é um símbolo desse período. O que seu fim, pelo menos oficial, significa? A doutrina sob Obama é outra? Qual?

Nada significa. O problema continua como no Afeganistão, projeta-se e contamina todo o Oriente Médio. Obama nenhuma doutrina tem. Não conseguiu, como sempre previ, mudar a articulação do governo, sustentada e dominada pelos profundos interesses do complexo industrial-militar. Ele se revelou uma espécie de Bush colorido, pintado de marrom. A mim não surpreendeu. Sei perfeitamente o que é uma estrutura de poder no países capitalistas. Nos Estados Unidos, ou mesmo no Brasil, um presidente da República não faz o que quer. Faz o que pode.


E internamente para os Estados Unidos, quais são as consequências da retirada, pelo menos parcial, das tropas dos EUA no Iraque?

Por enquanto, muito pouca ou mesmo nenhuma. Os soldados, se desligados das tropas, apenas aumentarão, pelo menos um pouco, o número de desempregados. Mas parece que eles estão sendo removidos para o Afeganistão e outras regiões, ou aliciados na condição de mercenários pelas empresas militares, como a Blackwater e outras, as empreiteira contratadas pelo Pentágono, que trata de terceirizar a guerra. É um grande negócio.


A retirada das tropas representam o fim do controle sobre o Iraque? (Os “postos de presença permanente” não farão o papel de manter a hegemonia dos EUA no Iraque?)

Já expliquei que a retirada das tropas foi parcial e que os Estados Unidos continuam a ocupar o Iraque com 50 mil soldados, além dos mercenários (contractors) empregados a título de “Private Security” (segurança particular), que estão a guardar as instalações governamentais e dos Estados no Iraque. O número de “Private Security Contractors” trabalhando para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos no Iraque aumentou 23%, no segundo semestre de 2009, e 29% no Afeganistão. Os Estados Unidos contam com um total de 250.000 mercenários, como contractors, no Iraque e no Afeganistão.

O senhor acha que a retirada das tropas do Iraque pode ajudar os Democratas nas eleições legislativas dos EUA?

Não. A retirada parcial das tropas é uma operação cosmética. Obama está muito desgastado. E, possivelmente, o Partido Democrata perderá a maioria no Congresso nas eleições de novembro.


Como ficou a situação da “democracia” no Iraque, e em relação à economia: o controle da exploração do petróleo está nas mãos dos EUA?

No Iraque não existe nenhum democracia. É uma farsa. E os Estados Unidos vão tentar manter o controle da exploração do petróleo, motivo da guerra para derrubar Saddam Hussein.


Que tipo de Estado e democracia existe hoje no Iraque?

O Estado foi artificialmente construído no Iraque, após a I Guerra Mundial. E somente pôde subsistir como ditadura. Atualmente não existe nenhum tipo de Estado. O regime que lá existe é instável, dominando pelos xiitas. E não há nenhuma democracia.


O senhor poderia falar sobre as conseqüências da guerra para a economia dos EUA e economia mundial, aumento da divida interna dos EUA, aumento do preço do barril de petróleo?

A economia americana está completamente deteriorada, e é difícil melhorar, enquanto estiver baseada nos subsídios para a indústria bélica, o câncer que corrói o Império Americano.


Segundo analistas, a guerra de Obama é a guerra do Afeganistão. O senhor concorda? Por quê?

Não é a guerra de Obama. É a mesma guerra de Bush, à qual ele simplesmente deu continuidade. Obama demonstrou que não tem condições de mudar, substancialmente, a política exterior dos Estados Unidos, que corresponde às incoercíveis necessidades do Império Americano.


Com os recursos do Iraque dominados, é hora de investir mais no Afeganistão e brigar pela influência na Ásia central e pelo controle de gás natural e dos gasodutos que passam e passarão pela região?


Mas é difícil vencer a guerra no Afeganistão. Lá os Estados Unidos e as tropas da OTAN estão chafurdadas. Não há perspectiva de vitória. Dos 2.100 soldados da Otan mortos, desde 2001 até outubro, de 2010, cerca de 1.300 são americanos. Somente nos dois anos do governo de Obama tombaram cerca de 1.053, mais do que nos sete anos anteriores.


A guerra do Afeganistão resultou num fortalecimento do fundamentalismo islâmico no país?

Claro. A guerra no Afeganistão, no Iraque e a questão da Palestina só contribuíram e contribuem para fortalecer o fundamentalismo islâmico e o terrorismo. Mas os Estados Unidos sempre necessitaram e necessitam de um inimigo. Além dos interesses econômicos, políticos, geopolíticos e estratégico do Império, a guerra está enraizada na mentalidade de grande parte do povo americano .


Com a saída das tropas dos EUA do Iraque, quais são as chances dos EUA invadirem o Irã?

Creio que absolutamente nenhuma. O Irã tem mais de 60 milhões de habitantes, está armado, é um país muito grande,com cerca de 1,5 milhão de quilômetros quadrados, cheio de cavernas, onde as instalações nucleares estão escondidas e não podem ser detectadas pelos satélites e outros meios eletrônicos. Sua população é de cerca de 66,5 milhões de habitantes, mais ou menos o dobro da população do Afeganistão (28, 4 milhões de habitantes) e imensamente maior que a de Israel (7,2 milhões). E, mesmo sem bomba nuclear, o Irã, com mísseis e bombas convencionais, pode devastar Israel, um país com apenas 22 mil quilômetros quadrados, e também causar milhares de mortos, bombardeando as bases militares dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão. Ademais os Estados Unidos, altamente endividados, não mais estão em condições financeiras de investir em outras guerras. Aceleraria a decadência do Império.

Os Guarani-Kaiowá

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Decisão da Justiça ameaça kaiowás de despejo





Por Joana Moncau e Spensy Pimentel


O maior grupo indígena do país luta para escapar do extermínio, enquanto o fim do governo Lula consagrará um atraso de dezessete anos na demarcação de suas terras.



Imagine um lugar onde as pessoas têm expectativa de vida inferior à de países africanos em guerra, onde a taxa de assassinatos é semelhante à dos bairros mais violentos de metrópoles como São Paulo e Rio, e onde as taxas de suicídio estão entre as maiores do mundo. Imagine uma situação de racismo tal que você não pode frequentar um hospital, delegacia ou escola, nem ouvir a rádio, assistir às TVs ou ler os jornais sem ser humilhado cotidianamente. Imagine mais: além disso tudo, essa é a terra onde você nasceu, mas que lhe foi retirada à força por pessoas que se instalaram ali com o apoio do governo do seu próprio país, obrigando-o a se refugiar no país vizinho para sobreviver. E, se não bastasse tudo isso, quando você tentou voltar para recuperar o que era seu por direito, foi tachado de estrangeiro.

Esse lugar surreal fica no Brasil, no sul de Mato Grosso do Sul. Tal quadro permaneceu, por muitos anos, praticamente desconhecido da grande maioria dos brasileiros. Agora, cada vez mais, o drama dos Guarani-Kaiowá vem chamando a atenção do restante do país e da comunidade internacional, e o presidente Lula encara o desafio de apresentar, até o fim de seu governo, em dezembro, um avanço real na solução dos problemas desses indígenas, sob pena de o país completar dezessete a
nos, e mais de quatro mandatos presidenciais, sem resolver o problema. A Constituição de 1988 determinou que a demarcação das terras indígenas seria concluída em cinco anos depois da promulgação da Carta.

Só em 2010 foram quatro os relatórios internacionais que sublinharam a questão. Primeiro, um documento lançado em janeiro pelas Nações Unidas. Depois, um relatório produzido pela ONG Survival International exclusiv
amente para tratar do tema, lançado em março. “A ocupação e usurpação de suas terras pela indústria e ações governamentais têm resultado uma situação desesperadora”, aponta o texto da Survival. E complementa: “
A situação dos Guarani no MS é uma das piores entre todos os povos indígenas da América”
. Em abril, a ONG Repórter Brasil também denunciou, no Brasil e na Europa, a ocupação de terras kaiowá já reconhecidas por lavouras de cana (ver o próximo texto). Em maio, a Anistia Internacio
nal, em seu relatório anual, destacou o caso ao falar dos direitos indígenas no país.
Enquanto a crise se agrava, outros estão mais preocupados com o sagrado direito à propriedade. “Confesso que, em Dourados, voltei a sentir medo”, afirmou a atriz Regina Duarte em visita a uma exposição agropecuária na cidade, em 2009. Na ocasião, a atriz global, pecuarista e garota-propaganda de José Serra nas eleições de 2002 mostrou-se solidária aos fazendeiros diante da “ameaça” das demarcações de terras. “O direito à propriedade é inalienável”, explicou.

Por outro lado, têm sido cada vez mais frequentes as manifestações de entidades e personalidades em apoio à causa dos Guarani-Kaiowá. No início do ano, em carta, a senadora Marina Silva (PV-AC) alertou Lula para o “grau extremo da crise humanitária” pela qual o grupo passa atualmente. Em março, após visita ao MS, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Dimas Lara Barbosa, também enviou carta a Lula, pedindo agilidade nas demarcações d
as terras indígenas desses
indíg
enas. Ainda em março deste ano, uma missão do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão de Estado ligado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) foi avaliar a situação para fazer uma série de recomendações ao governo federal.
O presidente Lula já discutiu o caso guaranikaiowá por pelo menos três vezes só este ano. Em fevereiro, chegou a declarar a políticos e fazendeiros que iria providenciar a compra emergencial de terras para os indígenas. Depois, em junho, assistiu a exposição sobre o problema em reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), órgão ligado à Funai que reúne representantes dos povos indígenas de todo o país. Em agosto, em visita a Dourados (MS), ele se reuniu a portas fechadas com lideranças do grupo e reiterou o compromisso de avançar na resolução do problema até o fim de seu mandato. Também em a
gosto, centenas de lideranças indígenas de todo o país expressaram seu apoio aos Guarani-Kaiowá com
a realização do 7° Acampamento Terra Livre em Campo Grande.

A terra é o ponto nevrálgico da discussão: todos os observadores externos percebem a extrema necessidade de ampliar as áreas disponíveis para as comunidades. Ao mesmo tempo, todos os adversários dos indígenas se opõem, exatamente, às novas demarcações. Em 2008, após assinar um Compromisso de
Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Federal, a Funai lançou seis grupos de trabalho de identificação das terras guarani-kaiowá, abrangendo 26 municípios do Cone Sul do MS. A ideia era re
solver, de uma vez por todas, o déficit na demarcação de terras ali.

O resultado da iniciativa é que o conflito com os ruralistas tornou-se ainda mais forte e evidente. “Produtores declaram guerra aos índios”, destacaram as manchetes locais na época. Para essa situação atentou outro relatório da ONU, de 2009. O relator especial James Anaya, que visitou o estado, escreveu: “Tensões entre povos indígenas e colonos não indígenas têm sido particularmente frequentes no MS, onde os povos indígenas sofrem pela falta de acesso às suasterras tradicionais, pela extrema pobreza e pelos problemas sociais da
í decorrentes; a situação deflagrou uma série de atos vi
olentos, marcados por gr
ande número de assassinatos de índios, bem como pela perseguição criminal aos indígenas que lutam por esse direito”.
Enquanto isso, o problema era minimizado pelo próprio governador do estado, André Puccinelli (PMDB). Em abril de 2009, ele afirmava: “Eles não querem tanta terra como a Funai quer dar a eles. Os índios querem menos terra e mais programas sociais”. Edite de Souza, sobrinha de Marçal de Souza, um dos mais famosos líderes guarani, assassinado em 1983, retruca: “É mentira do governador! Ele não faz reunião com os indígenas, como é que ele vai saber se nós queremos ou não a terra? Nós queremos a terra!”.
Na época, Puccinelli ameaçava, em caso de prosseguimento dos trabalhos da Funai: “Muitas vidas (de índios e não índios), possível e infelizmente, poderão se perder, tendo em vista o inevitável conflito que se estabelecerá entre os envolvidos”. O deputado estadual Jerson Domingos foi ainda mais enfático. Anunciou que poderia haver um “banho de sangue”.
Faceta mais sutil da luta contra as demarcações de terras indígenas é a “teoria da conspiração” difundida inclusive na imprensa nacional. O filósofo gaúcho Denis Lerrer Rosenfield vem publicando artigos contra os Guarani desde 2008, quando chegou a passear pelo MS dando entrevistas como consultor dos fazendeiros. Para ele, as demarcações escondem a intenção de articular um movimento separatista.
O efeito prático de ações como essa é alimentar preconceitos. “Há entre a população sul-matogrossense uma postura claramente anti-indígena. Isso, infelizmente, é dito pelo governador, passando pelos deputados e os veículos de comunicação”, aponta o procurador da República Marco Antonio Delfino, de Dourados.Em 2008, chegou-se a dizer que um terço do estado seria transformado em terra indígena, semeando pânico na população. Ao contrário do que o alarmismo de alguns latifundiários quer fazer crer, as terras reivindicadas nesse estado, segundo avaliações preliminares dos antropólogos, não chegam a 1 milhão de hectares, ou seja, menos de um décimo do que se apregoava na época – a extensão exata só poderá ser
aferida quando os estudos determinarem, afinal, as áreas reivindicadas pelos índios.

Dor invisível
O problema é antigo, mas, mesmo se considerarmos apenas os números do ano passado para cá, o quadro já seria desesperador. Foram registrados ao menos quatro casos graves de conflitos envolvendo as co
munidades de Laranjeira Nhanderu, Kurusu Ambá, Mbaraka’y e Ypo’i.
O resultado: pelo menos três mortos, dois desaparecidos e cinco baleados, além de diversos episódios de espancamentos, atropelamentos suspeitos e pelo menos um acampamento de beira de estrada incendiado. Um quinto caso registrado nesse período não está, aparentemente, relacionado à questão da terra, porém, talvez seja o mais sintomático da situação dos Kaiowá: em setembro de 2009 o acampamento da comunidade de Apykay, instalado na beira da BR-463, foi incendiado, e um indígena foi baleado. O crime configurou tentativa de genocídio e o inquérito está em tramitação.
“A motivação pelo ataque em Apyka’y não foi uma motivação em defesa da propriedade, foi uma motivação inteiramente étnica, ‘vamos atacar os índios porque são índios’. Ou seja, há uma tentativa de exterminar parte de um grupo indígena que se caracteriza como um tipo de genocídio”, explica o procurador Delfino. “A sociedade sul- matogrossense nega que exista o índio, diz que na verdade quem está lá são os paraguaios, isso é a invisibilização da comunidade.”Esses seres “invisíveis”, entretanto, formam o maior grupo indígena do Brasil: são 45 mil pessoas. A dificuldade de enxergá-los como “índios”, em parte, decorre da miséria a que estão submetidos. Os Guarani-Kaiowá vivem em pequenas “ilhas” de terra que, somadas, alcançam pouco mais que 42 mil hectares – compare-se com o 1,7
milhão de hectares da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde vivem 20 mil pessoas. Acossados pelos fazendeiros, rodeados por pastagens e plantações de soja e cana, sem terra, nem mata – da mata original ali não restam mais que 2% –, lutam a duras penas para sobreviver.


Sintomas desse ambiente desfavorável são os problemas apontados nos relatórios citados. Levantamentos do Cimi indicam que ocorrem ali mais da metade dos assassinatos registrados entre indígenas em todo o país – foram 33, dos 60 anotados em 2009, e 42, também de 60, em 2008. Grande parte deles são conflitos entre as famílias indígenas, acentuados pela escassez de recursos e comida, mas há também vários crimes de perseguiç
ão política. Segundo o MPF, atualmente correm processos referentes a 13 conflitos mais graves envolvendo indígenas de áreas não demarcadas e proprietários de terra, desde 2000.

Também há alto índice de suicídios, principalmente entre jovens. Só em 2008, foram 34 casos. Em 2009, 18. A taxa de suicídios, portanto, em determinados anos, pode chegar a mais de 100 por 100 mil habitantes, contra a média nacional de 5,7 por 100 mil, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde.Sem possibilidade de viver da coleta, caça ou plantio, ainda segundo a Funasa, 80% das famílias dependem da distribuição de cestas básicas. Quando, em 2007, o serviço de fornecimento foi suspenso temporariamente, sete crianças morreram de subn
utrição no estado, onde o índice de desnutrição infantil em populações indígenas é o mais alto do Brasil.
Com tudo isso, a expectativa de vida entre os Kaiowá é de 45 anos, quando a média brasileira é de 72,7 anos. Aos que sobrevivem, resta buscar trabalho, muitas vezes em condições irregulares, nas usinas e fazendas da região (veja matéria a seguir), ou a mendicância nas cidades. Sempre enfrentando muito preconceito. A discriminação racial é tão comum quemesmo figuras públicas não têm nenhum pudor em externá-la. Em março de 2008, foi aprovado na Câmara Municipal de Iguatemi (MS), o pedido de um vereador para que “intervenham junto à Funai para resolver o problema das residências ilegais dos diversos indígenas na cidade”. “Tal indicação se faz necessária”, dizia o pedido, tendo em vista que os indígenas “vivem embria
gados, vivendo da coleta e sobras de lixo”. E continuava: “É uma vergonha para nossa cidade deixar esta situaçã
o exposta aos olhos de futuros investidores e empresários”.

Outro caso grave foi o artigo publicado pelo advogado Isaac Barros, em 2008, no maior jornal da região de Dourados. Intitulado “Índios e Retrocesso” o texto levou o MPF a ajuizar ação criminal por racismo e ação por danos morais contra o autor, que se refere aos índios como “bugrada”. O artigo afirma que os índios “se assenhoram das terras como verdadeiros vândalos, cobrando nelas os pedágios e matando passantes” e ainda os chama de “malandros e vadios”. O processo ainda esta tramitando, e a reparação pelo dano moral pode exceder R$ 30 milhões.


Não bastasse toda a discrimação, o MS é o estado com o maior número de detentos indígenas (148 no início de 2009, conforme divulgado pela imprensa), e casos recentes,
como o da área conhecida como Kurusu Ambá, demonstram que a criminalização de lideranças já setornou uma estratégia na luta contra os índios.Em novembro de 2009, pela quarta vez desde 2007, um grupo kaiowá de cerca de 250 indígenas ocupou a terra tradicional de Kurusu Ambá, de onde relatam ter sido retirados nos anos 70. A área fica próxima a Coronel Sapucaia, na fronteira com o Paraguai. Passaram a ser sistematicamente ameaçados por grupos de pistoleiros, com tiroteios diuturnos. Um mês depois, o corpo do jovem de 15 anos Osmair Fernandes foi encontrado com marcas de tortura e espancamento. Até hoje, o caso não está esclarecido. Meses antes, em maio, o líder Osvaldo Lopes tinha sido morto.

Em 2007, na primeira ocupação, já morrera a xamã Xurite Lopes. Meses depois, Ortiz Lopes, outra liderança, também foi assassinado. Três crianças morreram desde 2007 por falta de atendimento médico – a Funasa, alinhada com o governo do Estado, se recusa a prestar assistência nas áreas em disputa. Ninguém ainda foi preso pelas mortes dos quatro indígenas, mas quatro deles estão foragidos depois de terem sido condenados por roubo – em uma armação dos fazendeiros, segundo o grupo –, e outra liderança está sendo processada por ser o suposto autor de disparos que atingiram quatro de seus
compa
nheiros no final de 2007, num episódio em que mais de 50 pessoas assistiram ao momento em que dois fazendeiros dispararam contra os índios. Atualmente, a área está em estudo pela Funai, e os indígenas continuam ocupando uma pequena fração da terra. A tradução do nome Kurusu Amba, “lugar da cruz”, ganhou significado especial com tantas mortes.
Por conta desse grau de dificuldade com a Justiça, explica-se a transferência de MS para a cidade de São Paulo, a pedido do MPF, do julgamento dos quatro acusados pela morte do cacique Marcos Verón. Aos 72 anos, ele foi morto a pauladas em sua comunidade, Takuara, em 2003, supostamente a mando do proprietário da fazenda Brasília do Sul. O julgamento foi suspenso e deve ser retomado em 2011. Sua filha Dirce Verón afirma: “Meu pai foi morto porque era uma peça-chave na luta pela terra, uma liderança que incomodava os pecuaristas”.

Como tudo começou

A presença guarani-kaiowá na região sul de MS é registrada desde o início da colonização. As primeiras reservas para o grupo foram criadas na década de 1910, pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI). O problema é que eram demarcadas conforme a conveniência dos brancos. As oito terras criadas somavam 18 mil hectares. À medida que o afluxo de colonos aumentou, os índios foram sendo pressionados a deixar as matas e e
ntrar nessas áreas do SPI, ou ir para a beira da estrada. Muitos foram expulsos para o Paraguai, sob ameaças. Logo nos anos 80, as oito áreas antigas estavam superlotadas – Dourados, por exemplo, tem hoje mais de 12 mil pessoas em 3,5 mil hectares.
No mesmo período, os Guarani-Kaiowá organizaram sua resistência. Surgiu, então, o movimento conhecido como Aty Guasu, ou “grande reunião” (ver artigo nesta edição). A partir da união das dezenas de grupos locais, os indígenas conseguiram dar visibilidade para sua luta pela demarcação de suas terras, as quais chamam de tekoha – o lugar onde se pode viver conforme os costumes. Uma a uma, foram conquistando pequenas ilhas de terra: foram mais de 20, ao todo, hoje em diferentes estágios de regularização. Enquanto a solução vinha a conta-gotas, os problemas se acumulavam. A resistência dos fazendeiros se tornou cada vez mais violenta: de uns dez anos para cá, as mortes de indígenas durante as retomadas se tornaram frequentes.

Para tentar pôr fim aos problemas, de uma vez por todas, surgiu, em 2008, a iniciativa da Funai de lançar os tais GTs. O problema é que, além da oposição armada dos fazendeiros, os índios e a Funai têm de enfrentar a luta no Judiciário. São mais de 80 processos na Justiça Federal contra as demarcações. Para piorar, em ao menos um caso, o de Arroio Korá, homologada em dezembro de 2009, o ministro Gilmar Mendes desconsiderou que um grupo guarani fora alvo de esbulho e por isso não estava na área reivindicada por eles no ano de 1988 (marco temporal que, segundo o STF, determina se uma área pode ou não ser considerada terra indígena). Mas como estariam ali, se tinham sido expulsos pelos
fazendeiros? Das três terras guarani-kaiowá homologadas por Lula em seu governo, duas tiveram a ocupação suspensa por liminar do STF. Além de Arroio Korá, há o caso da TI Nhanderu Marangatu, cuja liminar já completou cinco anos sem que haja sinal de que o caso será resolvido.
Resistência e tapetão

Não é apenas contra os indígenas que os fazendeiros reagem com truculência. Os integrantes dos grupos de identificação de terras têm sofrido ameaças. Em 2008, para solucionar o impasse, o presidente da Funai, Marcio Meira, chegou a fazer acordo com o governo do estado, atendendo – dado o poder de pressão do PMDB sobre o governo – à exigência de que seus representantes participassem das identificações de terra. Nem assim a situação se resolveu e, segundo Meira (leia entrevista nesta edição), o acordo não foi cumprido.
Com o objetivo principal de resolver o caso no MS, vem sendo costurada no Congresso a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional que possibilite o pagamento de indenizações pela terra nua no caso de demarcações de terras indígenas – hoje, o pagamento é apenas pelas benfeitorias. Apesar das tentativas de utilizar essa reforma para “abrir a porteira” ao pagamento pelas terras a gente que expulsou comunidades e forma criminosa, ou mesmo se apropriou indevidamente de terras, o senador Eduardo Suplicy (PT), com a concordância da Funai e de muitos indigenistas, apresentou um texto alternativo, permitindo a indenização pela terra nua apenas em caso de títulos de boa-fé e que não envolvam esbulho. De qualquer forma, a discussão só deverá prosseguir em 2011.

Configura genocídio “intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso” (lei 2.889/56). As evidências demonstram que o que se está tentando fazer, direta ou indiretamente, é exterminar física e culturalmente os Guarani-Kaiowá. Até dezembro, as lideranças do grupo esperam que, pelo menos, os relatórios antropológicos de identificação de terras iniciados em 2008 sejam concluídos. Em agosto, o STF suspendeu a exigência de notificação prévia aos fazendeiros para que os grupos de trabalho pudessem visitar as áreas consideradas pelos indígenas como de ocupação tradicional. De qualquer modo, para além das demarcações de terras, ainda há uma longa batalha a travar, até que mude esse quadro de vergonhosa violação de direitos humanos.

Joana Moncau e Spensy Pimentel são jornalistas