terça-feira, 27 de abril de 2010

A tortura não é crime político


O terrorismo de Estado agia a favor da ordem instituída, eis uma diferença
Pedro Estevam Serrano

O supremo Tribunal Federal está prestes a iniciar um dos julgamentos m
ais importantes da história do País: a análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153 proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil e pela Associação dos Juízes para a Democracia. A entidade representativa dos advogados sustenta que a Lei da Anistia (Lei nº 6.683/79) não pode ser aplicada aos agentes do Estado autores de crimes de sangue durante a ditadura (1964-1985). Assim, tem o STF a oportunidade histórica de colocar um ponto final em questão que segue a turvar nosso passado recente e que tem consequências até os dias atuais.

Inicialmente, frise-se, é indubitável a correção do instru
mento proposto pela OAB e pela AJD, visto que todas as controvérsias constitucionais acerca da recepção de leis promulgadas anteriormente à Constituição Federal de 1988 devem ser dirimidas na apreciação de ADPFs. Complementarmente, acertam também as entidades ao apontarem o cerne da questão.

O Art. 1º da Lei nº 6.683/79 estabelece que deverá ser “concedida a anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setemb
ro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes”. Mas é o parágrafo 1º que suscita a controvérsia, ao dizer que: “Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.

Como bem ressaltam os juristas Dalmo Dall
ari, Pierpaolo Bottini e Igor Tamasauskas, os crimes dos torturadores e homicidas da ditadura não podem ser considerados políticos para fins do regime jurídico protetivo oferecido a esse tipo de conduta pela Constituição Federal, pois, segundo decidido pelo próprio STF, o crime político não se caracteriza apenas pelo móvel ou intenção do agente, mas pelo fato de atentar contra a ordem vigente. Ora, “se crime político é aquele que lesiona a ordem instituída, ficam evidentemente excluídos dessa definição os delitos praticados por agentes dessa mesma ordem para garantir sua manutenção”.

Também como nos demonstram os referidos juristas, não há que se falar em conexão de tais crimes com as condutas dos que
se opuseram à ditadura. No direito processual penal brasileiro, “há conexão quando os crimes são praticados pelas mesmas pessoas, ou com a mesma finalidade, ou se os delitos são praticados no mesmo contexto de tempo e de lugar e a prova de um deles interfere na prova do outro”.

Por óbvio, as torturas e homicídios não foram praticados no mesm
o tempo e no calor do combate, nem tiveram a mesma intenção, contexto ou lugar das condutas delitivas da oposição. A correção jurídica do mérito da medida proposta nos parece evidente.

A questão da possibilidade de retroação de normas constituciona
is originárias, como a que considera imprescritível o crime de tortura, não é objeto da demanda, deverá ser debatida futuramente, em cada caso.

Mui
tos dos crimes de homicídio, tortura e estupro foram cometidos contra pessoas que nada fizeram de violento, apenas manifestaram sua opinião, direito esse garantido inclusive pela Constituição da época. É o que ocorreu com Rubens Paiva, Vladimir Herzog e muitos outros cidadãos.


No plano político e
ético, há um falso debate sobre que lado iniciou a violência, se o Estado ditatorial com o Ato Institucional nº 5 ou os movimentos de oposição armada ao regime. A violência iniciou-se em 1º de abril de 1964, com a ruptura violenta da ordem constitucional democrática e a deposição do governo legitimamente eleito. Cidadãos como Gregório Bezerra chegaram a ser torturados em praça pública, no dia seguinte ao golpe, sob a mera alegação de serem “comunistas”.

A selvageria cometida contra Gregório Bezerra no Recife é simbólica do
que caracterizaria os atos de tortura e homicídio pelos agentes oficiais e clandestinos do regime. Tais atos tinham como vítimas imediatas as pessoas violentadas ou mortas, mas como vítima mediata a sociedade, que o arbítrio desejava dominar pelo medo, pelo terror na vida política.

A definição do crime de terrorismo é complexa, mas certamente entre seus elementos fundamentais inclui-se esse, qual seja: que o ato delituoso visa atingir a vida social e não apenas a vítima diret
a da violência.

O terrorismo pode ser praticado por opositores, como foi o caso dos crimes de extrema-esquerda e direita praticados contra a democracia italiana na década de 1970. Ou por estrangeiros contra um país, como foi o atentado contra as torres gêmeas de Nova York. Mas também pode ser realizado por Estados, quando seus agentes torturam e matam opositores, com o fim maior de calar a sociedade e se impor como governo. Assim ocorreu no Brasil.

Críticas devem ser feitas àqueles que pegaram em armas contra o regime, mas estas se põem mais no plano funcional, pelo voluntarismo que acabou servindo à propaganda do arbítrio, que na dimensão ética de sua conduta. Independentemente da intenção dos oposicionistas que pegaram em armas, se desejavam num futuro abstrato a instauração do socialismo ou se preferiam uma democracia popular de unidade nacional, sua luta concreta foi contra um Estado terrorista e totalitário, traduzindo-se como legítima defesa das liberdades públicas aviltadas pela violência ditatorial.

Para quem defende os valores políticos do Estado Democrático de Direito, o que legitima o uso da violência pelo Estado para impor suas normas é a sua rea-l submissão a uma pauta de princípios garantidores dos direitos fundamentais e a adoção de procedimentos de escolha dos governantes que pratiquem as regras do jogo democrático, inclusive, a plena observação das liberdades públicas que lhe são inerentes.

É inaceitável no plano ético comparar jovens vitimados com seus algozes. O que se deseja não é tanto a punição dos homúnculos que se escondem, a demonstrar sua insofismável covardia, mas sim a apuração do ocorrido e o chamamento à sua responsabilidade histórica. O que está em jogo neste julgamento é muito mais que o legítimo direito das vítimas à indenização individua-l. É o direito à reparação da grande vítima indireta do terrorismo estatal, a sociedade. Só a recuperação de sua história reparará o mal a ela causado pelo medo e pelo silêncio impostos.

A OAB, com tal iniciativa, se põe lá onde sempre esteve, na luta pelas liberdades, contra a tirania em todas suas consequências. Sem desejo de vingança, mas com o desiderato de conhecer e marcar na memória fatos cuja ciência à sociedade pertence.

*Pedro Estevam Serrano é advogado, sócio do escritório Tojal, Teixeira Ferreira, Serrano e Renault Advogados Associados, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP, onde leciona. Autor de O Desvio de Poder na Função Legislativa (editora FTD) e Região Metropolitana e seu Regime Constitucional (editora Verbatim). Coautor de Dez Anos de Constituição (editora IBDC).

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Império ideológico da Rede Globo

Império ideológico

Danielson Roaly












Trasímaco de Calcedônia, filósofo do IV século a.C., defendia que "a justiça é simplesmente o interesse do mais forte". Dizia que o progresso existente é criado pelo injusto, porque o justo é um indivíduo fraco, portanto, as leis são criadas pelos fortes.

Se ainda fosse vivo, seria o sócio ideal para as Organizações Globo. Quem sabe assim justificaria a história de "amor e ódio", "fidelidade e traição", que a maior rede de televisão brasileira tem com a história social de seu País.

Fundada pelo sofista Roberto Marinho, a TV Globo foi inaugurada em 26 de abril de 1965. Era apenas um pequeno canal do Rio de Janeiro, mas que cresceu e tomou dimensões inesperadas.

Hoje exerce um monopólio na mídia brasileira, sendo uma das maiores redes de televisão da América Latina. Conta com 113 emissoras entre geradoras e afiliadas, alcançando 99,84% dos 5.043 municípios brasileiros, detendo 40% do mercado publicitário televisivo.

Com um crescimento impressionante teve um papel importante para o desenvolvimento da televisão brasileira. Surgiu em um mercado televisivo amador, quando para se destacar era necessário se profissionalizar. A Globo investiu na formação de uma rede de emissoras afiliadas, sendo a primeira empresa de telecomunicação brasileira a usar pesquisa para o conhecimento do seu público-alvo. Isto lhe deu a oportunidade de conhecer as reações sobre os produtos oferecidos e as necessidades não atendidas de entretenimento e informação do telespectador.

A visão de que "televisão não é programa, é programação", fez a Globo investir na conquista da audiência durante toda o dia, utilizando-se brilhantemente da estrutura de programação vertical e horizontal, desenvolvida no passado pela TV Excelsior. Disponibilizou pouco espaço para as programações locais, estabeleceu um padrão em toda sua programação, que posteriormente se tornaria o "Padrão Globo de Qualidade" e que possui até hoje um excelente planejamento de estratégia de marketing.

A Globo aprimorou a teledramaturgia quando percebeu que os conceitos das telenovelas precisavam ser revisto. Uma nova estruturação foi apresentada, e a Globo deu um passo para a sua internacionalização. Passou a exportar suas novelas lançando fundamentos para que mais tarde, em 28 de agosto de 1999, houvesse o lançamento da Rede Globo Internacional.


Anos dourados

O surgimento da Rede Globo ocorreu num momento crítico da história brasileira. Período em que militares estavam no poder e

nada era transmitido sem devida autorização. Nesta época, estações de rádio, redações de jornais e estúdios de televisão eram invadidos, tendo suas programações censuradas. Mas a emissora havia decidido crescer a qualquer custo, mesmo que para isso fosse necessário vender sua alma para o capital externo, ou até mesmo para os militares. Por que não? Se isso dava possibilidades de crescimento.


As principais televisões eram a Tupi, a Record e a Excelsior. Aliada à empresa americana Time-Life, a Globo estruturou seus estúdios com equipamentos superiores aos dos concorrentes. Isso garantiu uma excelente qualidade na transmissão de seus programas, e uma rápida aceitação do público. Já em 1970 despontava como o melhor canal de televisão brasileira, desbancando a lendária TV Tupi.

Os resultados dos investimentos vieram rápidos. Com um público já estabelecido, em 1967 decidem entrar no mercado televisivo paulistano comprando o canal 5, a TV Paulista. Em São Paulo teve uma grande rival, a TV Record, que até então era a preferida.

Mas em pouco tempo já brigavam de igual para igual. Ampliou seu número de televisões, comprando em 1968, em Belo Horizonte, a emissora do Grupo J. B. Amaral. Em 1971, em Brasília, recebe a concessão assinada pelo presidente João Goulart, no ano de 1962. No Nordeste, em 1972, adquire a emissora do Grupo Victor Costa.

Caso Time-Life

Essa história não é apenas um mar de rosas. Ela possui uma "memória das trevas". A existência da TV Globo foi fruto de uma parceria não permitida por lei, com o capital estrangeiro. O senador João Calmon solicitou em 1966 que essa união, com a Time-Life, fosse investigada. Uma CPI foi instaurada declarando que a Globo infringira o artigo 160 da Constituição da República. Mas o presidente Castelo Branco considerou as acusações como infundadas fechando o inquérito em 1967. Em troca, por debaixo dos panos, foi preparada uma grande propaganda do governo militar, um jornal de cunho nacionalista.


Em 1.º de setembro de 1969 vai ao ar o Jornal Nacional marcando a primeira entrada em rede nacional. Inicialmente com duração de 15 minutos, passou a 30 e, por fim, a 45 minutos. Os apresentadores eram Léo Batista e o lendário Heron Domingues, apresentador do "Repórter Esso" durante muito tempo.

Os padrões ideológicos do grupo Time-Life predominaram durante boa parte da década de 60 até início dos anos 70, em pleno período da Guerra Fria. Neste período idealizou-se que "o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil". Os jornais censurados apresentavam notícias segundo os interesses da ditadura, que eram os mesmos do Estados Unidos.

O império ideológico da Rede Globo de televisão durante vários anos "dançou a sinfonia do poder", mantendo-se através de conchavos e acordos políticos, até o momento que possuiu uma autonomia. Hoje, isso não é realidade. Passou de subordinada para mandatária. Mas ainda podemos identificar que as ideologias da empresa norte-americana, que deixou a parceria em 70, ainda são bem presentes. E isto continua a se fortalecer com o destaque que a Globo ocupa na mídia nacional.

Partido Globo

O maior poder exercido pela Globo foi o poder político. Ela que nascera de mãos dadas com a política, resolveu ditar o rumo da nação, quando percebeu que o seu poder estava para ser abalado com as "Diretas Já!", que durante muito tempo relutou em apresentar.

Durante muito tempo a população brasileira foi às ruas, para reivindicar seus direitos, e a maior rede de televisão brasileira apresentava apenas o lado do governo. Afirmava que era um grupo esquerdista revoltado, e que se manifestavam isoladamente em algumas cidades brasileiras. A população nas ruas não podia ver uma viatura da empresa. Começava a gritar "O povo não é bobo. Fora Rede Globo".

Mas a Globo tinha uma carta na manga, muda sua posição de defesa dos militares, e agora apóia a eleição de Tancredo Neves. Logo após as eleições, o presidente Tancredo Neves morre. No Ministério das Comunicações ACM cortar vínculos com a NEC, empresa que fornecia equipamentos de telecomunicações para o governo.

Isto fez com que o valor da NEC brasileira despenca-se. Com isto, mais tarde, a Globo compra a empresa "a preço de banana", e logo depois, ACM voltou a restabelecer vínculos com a NEC.

Neste mesmo período nasce um dos maiores inimigos da Rede Globo, o candidato a presidente, Luís Inácio Lula da Silva, que com suas idéias ameaçava o poder "global".


Com a crise no governo de Sarney, sucessor de Tancredo, a Globo prepara seu sucessor. Em 1987, um jovem político desconhecido, Fernando Collor, governador do pobre Alagoas, começa a aparecer freqüentemente nos jornais e programas da Rede Globo.

Em 1989, Collor e Lula vão para o segundo turno. A Globo transmitiu dois debates, sendo o segundo, três dias antes da eleição. No dia seguinte, ela dá a cartada final, após vários meses de campanha para o jovem político, apresenta um resumo de seis minutos, onde apresenta Collor como o todo poderoso. Assim a Rede Globo deixa mais uma vez suas digitais na história brasileira.

Neste dia, Alexandre Garcia termina o Jornal Nacional dizendo: "... mantivemos um canal aberto entra a TV e seus eleitores, para que melhor se exerça a democracia...".

Dois anos mais tarde, tudo se vira contra a "menina dos olhos" da Globo, Fernando Collor. Assume Itamar Franco, que prepara o sucessor Fernando Henrique. A Globo festeja a entrada do Plano Real e o tetracampeonato do Brasil.

Num clima de festa, agora era a hora de FHC, fiel submisso dos interesses americanos. A Globo, com sua ideologia, também não podia perder essa. Com seu poder regenerado, ela elege Fernando Henrique, que derrota novamente o inimigo da Rede Globo.

Quatro anos depois, o Brasil está à beira de uma grande crise, e está em anos de eleição. ACM lança a idéia, FHC2. Fernando Henrique faz a sua parte, pegando emprestado cerca de 30 bilhões de dólares com o FMI, que garante a estabilidade da nação. E a Globo que até então criticava o governo, apresentando cenas da seca no nordeste, troca pela chance do pentacampeonato da seleção brasileira, e elege FHC.


Em 2002, "a esperança vence o medo", e Lula se torna presidente. O inimigo da Rede Globo durante muito tempo é eleito. Tudo fica muito confuso, pois claramente recebe uma força "global". O rumo do Brasil ainda é incerto, mas a Globo faz parte dele, ocupando um lugar preeminente.





Retórica televisiva

A Globo durante toda sua história desenvolveu uma retórica televisiva muito eficaz, se tornando uma formadora de estereótipos, criando modelos de comportamento, de moda e de linguagem, por meio do sedutor poder das informações. As novelas foram adotadas como referencial de tudo que é bonito e bom, por parte do telespectador. O pensamento se convergiu para "se tá na TV é por que é bom".

O padrão de verdade se tornou o do jornalismo da TV Globo. As notícias só são notícias se estão na Globo. Servindo de referência até mesmo para o jornalismo das redes de televisão concorrentes. As informações passam a girar em torna da uma única rede de televisão.

De maneira muito hábil transformou seus artistas em estrelas. Os programas de entretenimento passaram a girar em torno da vida pessoal dos artistas. Os convidados dos programas de auditório passaram a ser os mesmos que estavam nas novelas das emissoras.

Essa influência foi tão grande, que as demais emissoras foram contaminadas por esse olhar egocêntrico da Rede Globo. E sentiram a obrigação de também falar do umbigo alheio. Os programas das outras emissoras começaram a divulgar informações sobre artistas, novelas, programas e funcionários da Rede Globo. Porque isto se tornou notícia.

O objetivo sempre foi criar no indivíduo uma identidade Globo. No próprio slogan já diz: "A gente se vê por aqui". Não estão dizendo que vão te ver na TV Globo, mas sim que você se vê na TV Globo. Você se torna um indivíduo de identidade Globo, esse é o monopólio mais forte exercido por eles.

Império ideológico

A Globo possui uma ideologia de características americanas marcantes, que auxiliou na criação de uma subcultura que dominou a consciência das massas. Apresentou a violência como um culto ao super-homem americano, que tudo resolve sozinho desprezando os esforços coletivos e o trabalho social. A mentalidade do telespectador brasileiro se tornou medíocre, fruto de horas de programação bestificante, que criou uma alienação cultural que caracteriza a nossa nova sociedade.

A Globo é uma televisão polifilosófica niilista. A televisão que passa todos os tipos de conceitos. Conceitos diversificados por não possuir uma filosofia fundamentada e única. Está é uma característica do pensamento pós-modernista.

Quem é a autoridade ética na televisão brasileira neste momento? A Rede Globo, que hoje é um monopólio ideológico, possuindo uma concentração desproporcional do mercado da televisão em suas mãos.

A Globo possui o poder de moldar o imaginário do cidadão utilizando suas telenovelas, que traz uma bagagem de valores preestabelecidos. As opiniões políticas são disseminadas diariamente através de seus jornais. As questões educativas e sociais também sofrem manipulação, tudo isso com a finalidade de beneficiar a TV Globo, e neutraliza as manifestações das demais televisões. Ela se antecipou no controle da formação da consciência crítica, assumindo essa tarefa, imprescindível para a manutenção do seu domínio.